No passado mês de outubro revelámos o que se vinha a passar nos bastidores da decisão europeia, com os próximos passos de integração que já estavam desenhados. Os planos parecem finalmente prestes a ver a luz do dia, impulsionados pela crescente sintonia verificada no eixo franco-alemão. Passadas as tão faladas eleições alemãs, chegou a hora da Europa concretizar a sua visão e deixar os fantasmas da Grande Crise definitivamente para trás.
A união franco-alemã tem vindo a ser visivelmente reforçada tanto a nível político como também a nível de sociedade civil, como prova o recente manifesto reformista elaborado por um grupo de 14 reconhecidos economistas – 7 gauleses e 7 alemães. O documento detalha muitas das soluções já discutidas nesta coluna, sendo o objetivo central o de criar uma economia europeia resiliente que não repita os erros que precipitaram a crise. O estudo divide as reformas em 6 pontos, que os autores defendem deverão ser implementadas em pacote: 1. Quebrar o ciclo vicioso entre risco do setor bancário e risco do respetivo Estado, ao desincentivar a concentração de dívida doméstica nos balanços e complementar com um fundo de garantia de depósitos; 2. Substituir as presentes regras fiscais assentes no – sempre subjetivo – défice estrutural por mecanismos automáticos em termos de despesa pública; 3. Desenvolver um mecanismo legal que fomente a reestruturação ordeira de dívidas soberanas nos casos em que a solvência não possa ser restaurada por via de empréstimos de emergência; 4. Criação de um fundo europeu que esteja pronto a intervir em casos de choques económicos disruptivos; 5. A elaboração de um ativo ‘risk-free’ de referência, composto por um cabaz europeu de dívidas soberanas; e 6. A reforma da arquitetura institucional da zona euro.
Trata-se de um conjunto de medidas positivas que tem na demonstração de união franco-alemã a sua maior força. Porém, o manifesto é parco em detalhes de como estimular fluxos de capital privado entre países – elemento estabilizador essencial dentro de uma união monetária. Adicionalmente, a criação de um ativo ‘risk-free’ europeu, que assumiria uma estrutura sintética, denota uma eficácia dúbia em termos económicos e uma aceitação difícil aos olhos do eleitorado – muito por culpa da má fama que estruturas semelhantes adquiriram durante a crise do subprime.
Poderão também surgir críticas por ser um documento demasiado tecnocrata, que centra a questão exclusivamente no binómio económico «partilha de risco vs. disciplina» sem considerar as questões políticas como a de «mais federalismo vs. mais intergovernamentalismo». Porém, convém relembrar que a raiz de muitos dos males que originaram a crise europeia se deveu aos incentivos curto-prazistas instituídos no jogo democrático moderno. Adiaram-se reformas importantes durante os períodos de acalmia, e foi só com a casa a arder e políticos em pânico que se chamaram tecnocratas por essa Europa fora para apagar os vários fogos que deflagraram. Como é também habitual no jogo político, os bombeiros de serviço foram posteriormente pintados de incendiários, chamuscados precisamente por aqueles que se habituaram a atirar beatas para o mato.
*Gestor de portfolio multi-activo no BIG – Banco de Investimento Global