Dezenas de governos e forças armadas passaram este fim de semana debruçados sobre um mapa mundo de tons quentes. O mapa foi publicado pela Strava, a empresa proprietária da aplicação de fitness para smartphones e outros dispositivos inteligentes com o mesmo nome, que regista, compara, partilha e avalia trilhos e sessões de corrida, marcha, jogging, circuitos de bicicleta e natação. No essencial, a Strava é uma espécie de rede social para atletas e amantes de exercício. Desde este fim de semana, é também um inesperado pesadelo para exércitos e governos do mundo.
O mapa colorido que a Strava publicou apresenta com muito detalhe mais de mil milhões de trilhos recolhidos pelos seus utilizadores entre 2014 e este mês. Os percursos mais vezes percorridos estão mais iluminados e o mapa ainda contém, em algumas instâncias, informações como o nome do corredor, por exemplo, a data e a duração de uma corrida.
Na esmagadora maioria dos casos, estas informações são pouco ou nada relevantes para governos. Mas um grupo de analistas revelou que muitos dos trilhos iluminados no mapa descrevem com minúcia mapas de localizações confidenciais ou muito sensíveis, como, por exemplo, bases militares secretas, corredores subterrâneos em centros nucleares ou os perímetros de instalações de mísseis desconhecidas.
O mapa da Strava provocou tamanha comoção na comunidade militar e de espionagem que o governo australiano e as Forças Armadas norte-americanas anunciaram esta segunda-feira que estão a rever as diretivas internas para a utilização de aplicações de fitness e de acesso a GPS. O mapa não parece ter revelado instalações militares desconhecidas, mas ainda falta muito até que se termine de varrer o oceano de informação publicado no fim de semana.
Apesar disso, já há indicações de edifícios suspeitos em países com pouca atividade de dispositivos móveis como, por exemplo, o Djibuti, onde os Estados Unidos têm uma forte presença militar e cada trilho de corrida registado pelos seus soldados destaca-se por não haver mais engenhos modernos na região. Perto do conhecido Campo Lemonnier já se revelou a existência de um edifício que parece pertencer à CIA.
Mísseis e túneis
A Strava afirmava esta segunda que a responsabilidade da informação divulgada é dos próprios utilizadores, que podem escolher não partilhar os detalhes das suas corridas ou passeios de bicicleta. O problema, como alerta o especialista em matérias de segurança do Daily Beast, ultrapassa o simples revelar de perímetros dos muros, pistas de aterragem, túneis e outras passagens mais ou menos secretas de bases militares dentro e fora de um país: a aplicação, afinal de contas, possui uma montanha de informação em bruto sobre o período em que um utilizador militar esteve destacado numa base e quando foi enviado para outra.
Jeffrey Lewis defende que, a partir destes dados, hackers e governos rivais podem elaborar um documento com as rotinas e até os números arredondados de militares e ramos em diferentes instalações, sejam elas bases militares ou edifícios de embaixadas. O mapa deste fim de semana, por exemplo, descreve com muita precisão a base de mísseis que Taiwan tem reservada para um eventual confronto com a China.
As instalações já eram conhecidas, mas agora há um mapa detalhado de um dos alvos mais críticos para Pequim. “A noção de que é possível esconder mísseis em camiões só faz sentido numa era em que as pessoas não andam por todo o lado com telefones no bolso que capturam mapas digitais”, escreve Lewis, dizendo que a nova tecnologia de informação é hoje um dos principais desafios ao secretismo militar.