Escândalo. Humanos e macacos usados como cobaias da indústria germânica

A tecnologia dos motores a diesel volta a colocar as construtoras germânicas na berlinda. Depois do escândalo das emissões de gases poluentes, os métodos para estudar os seus efeitos voltam a dar polémica

A indústria automóvel da Alemanha terá usado cobaias humanas e macacos para testar em laboratório o efeito biológico das emissões dos veículos a diesel. Uma situação considerada injustificável e que volta a pressionar as fabricantes depois do escândalo “Dieselgate”.

Em 2014, as construtoras germânicas estavam tão empenhadas em provar que a tecnologia de motores a diesel era limpa, depois de revelações de que os gases libertados pelos escapes eram cancerígenos, que financiaram um estudo com macacos agachados numas câmaras herméticas, enquanto viam desenhos animados que inalavam fumos de um Volkswagen Beetle.

O objetivo do estudo era conseguir provas científicas que sustentassem o argumento que a nova geração de motores a diesel era muito melhor em termos ambientais do que a anterior. O que os cientistas de um laboratório em Albuquerque, EUA, desconheciam é que o estudo era fraudulento. O Beetle estava equipado com um software que, em laboratório, reduzia as emissões de gases nocivos para a atmosfera, mas que em condições normais ultrapassavam 40 vezes os valores permitidos.

A história foi noticiada na sexta-feira pelo “The New York Times” e uma descrição e recriação da experiência foi transmitida no primeiro episódio de “Dirty Money”, um novo documentário da Netflix sobre condutas impróprias por parte das empresas. No domingo o “Stuttgarter Zeitung” e a rádio SWR noticiaram que também foram usadas cobaias humanas nas experiências e ontem toda a imprensa alemã continuava a história.

A revista “Der Sipegel” noticiou ontem que 25 jovens saudáveis foram usados em testes numa clínica de Aachen.

As experiências, que aconteceram entre 2012 e 2015, envolveram a exposição, durante várias horas, a diferentes concentrações de fumos tóxicos, em particular, dióxido de azoto (NO2).

Depois, as pessoas foram examinadas por um hospital universitário para que se aferissem os efeitos desse teste. “Foram usadas técnicas extremamente sensíveis e não invasivas para captar a resposta biológica”, afirmou a instituição hospital, citada pela “Deutsche Welle”. Além disso, “não foram encontradas reações à inalação de NO2 , nem inflamações no trato respiratório”.

A Universidade de Aachen garante ainda que os ensaios tinham sido aprovados por uma comissão de ética independente, acrescentando que os exames visavam estudar o efeito dos gases de NO2 no local de trabalho.

Respirar com grandes concentrações de NO2 pode irritar as vias respiratórias, mesmo por um período curto. Há o risco de agravamento de doenças crónicas, em especial a asma, de uma forma que exija o internamento ou, pelo menos, atendimento de emergência.

Ambas as experiências foram financiadas pelo EUGT, grupo europeu de pesquisas sobre o ambiente e saúde nos transportes, criado em 2007 pelos três construtores automóveis, mais o grupo Bosch, que saíu em 2013, e extinto em junho do ano passado 2017.

Segundo a notícia do “The New York Times”, o EUGT – Grupo Europeu de Investigação em Ambiente e Saúde no Setor dos Transportes foi criado para contrariar a decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), que classificou os fumos dos motores diesel cancerígenos

Condenação Pública No fim de semana fabricantes alemãs vieram condenar publicamente a realização do estudo.

“Estamos chocados com a dimensão e implementação dos estudos da EUGT e condenamos as experiências da forma mais veemente possível”, revelou a Daimler em comunicado. Já a BMW afirmou que “não conduz experiências com animais”, acrescentando que o grupo BMW não teve qualquer influência no desenho ou metodologia de estudos que forma feitos pelo EUGT.”

Também ontem o Conselho de Supervisão da Volkswagen anunciou que pediu um inquérito urgente à situação. “Farei todo o possível para que este assunto seja investigado em detalhe”, afirmou o presidente do conselho em comunicado. “Quem é responsável por isso deve ser responsabilizado”, acrescentou Hans Dieter Poetsch.

Por seu lado, o governo alemão apontou que “esses testes em macacos ou em pessoas não são justificáveis a nível ético”. Para além disso, acrescentou o porta-voz do executivo, Steffen Seibert, em conferência de imprensa, “suscitam muitas questões acerca daqueles que estão por trás dos testes”.

Já a ministra do ambiente, Barbara Hendricks, apelidou as experiências de “abomináveis” e afirmou-se chocada que os cientistas tenham aceitado fazê-las.

Testes há décadas De acordo com a Volkswagen, o estudo foi realizado em 2014 pelo Instituto de Investigação Respiratória Lovelace, em Albuquerque, Novo México, mas nunca foi concluído ou publicado.

No documentário “Dirty Money”, James McDonald, o cientista do Instituto Lovelace que supervisionava o estudo, revela que há testes das emissões de fumos dos motores diesel em animais há pelo menos quatro décadas e que cobaias humanas também foram usadas ao início, tanto na Europa como nos EUA.

Mas em 2012, segundo McDonald, quando a OMS reclassificou as emissões dos gases de escape dos motores diesel como “cancerígenas para os humanos”, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA “ e todos ao mesmo tempo fecharam os laboratórios com humanos; todos travaram esse tipo de coisas”.

Mas na Alemanha terão continuado e são mais um escândalo a juntar ao Dieselgate, que envolvia a manipulação das emissões de modelos a diesel. Em 2015 descobriu-se que milhões de viaturas em circulação emitiam gases poluentes em doses superiores àquelas que eram garantidas pelos fabricantes, o que gerou processos judiciais e multas às marcas.