Depois de quatro sessões e meia de julgamento dedicadas à defesa do antigo procurador Orlando Figueira, ontem foi a vez de Paulo Blanco, o arguido que enquanto advogado defendeu o Estado angolano em diversos casos, começar a apresentar a sua versão dos factos no âmbito do caso Fizz.
E antes de se focar na acusação, Blanco afirmou que existem duas sociedades com o nome Portmill – um nome central em toda a acusação do MP, uma vez que aparece ligado a duas investigações que Orlando Figueira arquivou. E, nessa sequência, acusou mesmo o Ministério Público de ter feito uma confusão com essas sociedades de forma premeditada: “O MP optou cegamente por seguir uma linha de investigação quando, no processo, os documentos identificam as empresas e as contas bancárias.”
Segundo diz, a Portmill através da qual Manuel Vicente e outras personalidades angolanas pagaram tranches dos apartamentos da Estoril Sol Residence não é a mesma Portmill que comprou 24% das ações do BESA Angola ao BES (os dois negócios que foram investigados pelo antigo procurador).
Apesar dos vários reparos do coletivo de juízes para evitar considerações e passar aos factos, Paulo Blanco criticou as ligações do Ministério Público à imprensa, que diz estar cercada pela banca e outros agentes, e atacou ainda a forma como Portugal olha para Angola: “Nós dizemos que estamos de braços abertos, como diz a canção da TAP, mas os angolanos não precisam de braços abertos, precisam de abraços.”
Descreveu ainda como decorreram as buscas ao seu escritório, referindo que o procurador Rosário Teixeira lhe terá dito que esta investigação tinha “começado muito torta” e que “era uma palhaçada”. E acrescentou também que a sua participação em todo este caso se resumiu ao de advogado do Estado angolano, isto apesar de mais tarde vir a admitir que transportava cartas rogatórias de Angola, algo que deve tramitar por via oficial.
Perante a impaciência dos juízes, Paulo Blanco disse ainda que queria “esclarecer o povo português”, adiantando que as procuradoras que conduziram o inquérito mentiram no primeiro interrogatório: “O verbo é mentir. Fui confrontado com a existência de dez arquivamentos, não foi com um nem dois.”
O que disse Blanco da Acusação Quanto à acusação, Paulo Blanco garantiu que não foi ele que se aproximou de alguns magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, mas que eram os procuradores a procurá-lo, por saberem que era advogado e tinha boas relações em Angola: “Não era eu que me andava a oferecer no DCIAP.” Garante ainda que tudo o que fez foi por Portugal e por Angola, e que nunca ultrapassou qualquer limite da lei.
Quanto a Manuel Vicente, que também representou enquanto advogado, confessou nunca o ter conhecido pessoalmente, lembrando que era Armindo Pires a sua ligação com o ex-vice-presidente angolano.
Hoje, o advogado vai continuar a apresentar a sua versão em tribunal.
Tribunal vai notificar Carlos Silva Antes de Paulo Blanco, o antigo procurador Orlando Figueira esteve a responder a questões do advogado de Manuel Vicente – que neste processo está acusado de o corromper. Na sequência das acusações que Figueira e Paulo Blanco têm feito a Carlos Silva, vice-presidente do Millennium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico, na manhã de ontem, o coletivo de juízes determinou que o banqueiro luso–angolano seja notificado em Portugal para que compareça presencialmente em julgamento.
“Sempre tentei separar a Justiça da Política” Nas respostas ao advogado Rui Patrício, Orlando Figueira reconheceu que em determinados momentos houve a tentativa de em Angola se usar processos da justiça portuguesa para fazer política e alimentar guerras entre fações que não se davam. Figueira garantiu que sempre tentou fugir a esses enredos.
“Sempre tentei separar a justiça da política”, afirmou, concluindo: “Até porque os que hoje não se dão amanhã são íntimos.”
Boas relações com Angola intermediadas por Blanco O antigo magistrado admitiu que Paulo Blanco era a ponte com o ex-PGR de Angola, João Maria de Sousa, mesmo em assuntos de trabalho que tinham de ser tratados de forma mais célere ou não tão oficial. Referiu que num determinado momento até terá pedido que Blanco pedisse informações privilegiadas de uma pessoa que estava foragida à justiça portuguesa em Angola: “Não fazia sentido fazer esse contacto formalmente.”
O juiz Alfredo Costa interrompeu, porém, a descrição das boas relações entre as PGR dos dois países para frisar que existiram alguns problemas na atribuição dos vistos a Orlando Figueira quando este tratou da viagem a Luanda, no âmbito da semana da legalidade, e onde se encontrou com diversas personalidades daquele país – algo que Figueira acabou por recordar e dizer que também aí foi necessária a intervenção de Paulo Blanco.
Reafirmou que a personalidade angolana que mais investigou enquanto procurador foi Álvaro Sobrinho.
Orlando Figueira e a ligação aos Vistos Gold O arguido falou ainda ontem sobre o facto de ter sido advogado de Eliseu Bumba, arguido angolano do chamado caso Vistos Gold.
Assegurou que ainda deu entrada da procuração no DCIAP na terça-feira anterior à sua detenção; tinha marcado uma reunião em Angola com o cliente e essa viagem não tinha qualquer intuito de fuga.
Os sentimentos de Figueira Questionado pela sua advogada, Orlando Figueira descreveu ontem o que sentiu quando foi preso, referindo que “entrar no estabelecimento prisional da PJ foi um sentimento total de injustiça”: “A pessoa não acredita, quase que se quer beliscar. A pessoa entra em estado de negação.”
Disse ainda que considera que seria mais fácil para este coletivo o absolver se tivesse aguardado julgamento em liberdade do que tendo sido preso, criticando também a forma como a investigação foi conduzida: “É muito mais difícil absolver uma pessoa que esteve em prisão preventiva do que uma que está em liberdade. Houve fuga para a frente da investigação.”
E terminou dizendo: “Estou preso em casa mas sou um homem livre, não há nada de que me arrependa.”
O procurador foi ainda instado pelo MP a explicar o porquê de na minuta do documento que tinha de enviar para o banco para formalizar o empréstimo de 130 mil euros (e que para a acusação é uma parte dos 760 mil euros do suborno) constar a morada de Manuel Vicente. Orlando Figueira disse nunca se ter apercebido disso.
Carlos Silva diz que versão de Procurador é fantasia O banqueiro Carlos Silva reagiu na manhã de ontem em comunicado às acusações de que tem sido alvo por parte de Orlando Figueira e Paulo Blanco, afirmando que nada do que tem sido dito é verdade.
“Tenho lido pela comunicação social portuguesa passagens de afirmações do ex-procurador Orlando Figueira em Tribunal, em que me são imputados atos que não pratiquei.”
Segundo o vice-presidente do Millennium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico, trata-se de uma tentativa “recente e oportunista de adulterar a realidade” e que, diz, “assenta em insinuações falsas”.
Carlos Silva lembra que foi “ouvido na fase de inquérito, na qualidade de testemunha, e [teve] ocasião de responder a todas as questões formuladas pelo Ministério Público, com todo o detalhe e rigor, designadamente quanto às circunstâncias em que [conheceu] e em que [contactou] com o referido senhor”.
No comunicado adiantou que “não [teve] nenhum outro contacto, pessoal, telefónico ou por outra via com este senhor, nem muito menos lhe [fez] qualquer convite de trabalho”.
E fala até numa versão de fantasia: “O grau de fantasia dessa estória vai ao ponto de inventar um suposto encontro num hotel no centro de Luanda, no qual me descreve como envergando uma indumentária que, quem me conhece, sabe que jamais utilizaria num local deste tipo. Embora sejam evidentes os motivos que levam o ex-procurador a enveredar nesta fase por esta estratégia, não posso deixar, desde já, de vir publicamente repor a verdade.”
Orlando Figueira não reagiu a esta posição de Carlos Silva, nem à chegada ao tribunal nem à saída.