Grécia. A metáfora de um país como um clube que já foi glorioso

No ano que os gregos sonham seja o último da austeridade, o desemprego ainda está acima dos 20% e o PIB 25% abaixo do que era em 2009. O governo planeia agora voltar ao mercado. Um retrato entre a dignidade e o turismo

O clube do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, passa por um dos piores períodos da sua história. O Panathinaikos anda sem sorte (apesar do trevo que usa como símbolo) e enfrenta uma crise financeira e desportiva que o deixa à beira do abismo quando se prepara (a 3 de fevereiro) para comemorar o 110.o aniversário da sua fundação. O segundo maior clube de futebol da Grécia e o mais antigo não ganha o campeonato desde 2010, esta época anda pelo meio da tabela e foi eliminado este mês da Taça da Grécia, tendo perdido na primeira mão por 4-1.

Com um nome inspirado em Isócrates e a sua obra “Panathenaicus”, sobre a educação democrática e a superioridade militar dos atenienses, é fácil ver no declínio do Panathinaikos um retrato das dificuldades gerais da democracia grega, a sua crise económica, as draconianas medidas de austeridade impostas ao país e a própria traição de Tsipras e do Syriza, que abdicaram de grande parte do que defenderam quando chegaram ao poder. Até porque parte substancial do fracasso desportivo se deve aos entraves financeiros com que o clube se debate.

O último campeonato ganho pelos verdes (2009/10) é o da crise no país (2009). Saíram 23 jogadores, entraram 22, e o balanço de operações foi negativo em 12,2 milhões de euros. O então governo de Konstatinos Karamanlis, da Nova Democracia, aumentou a dívida da Grécia em 30 mil milhões de euros nos primeiros seis meses de 2009, chegando a 109,6% do PIB, quando em 2008 era de 99,2%.

“O país não estava preparado adequadamente para aderir ao euro e desperdiçou a euforia da primeira década da moeda única com muito pouco do ajustamento necessário para partilhar uma moeda com a Alemanha e sem abordar a variedade de questões que sufocavam o seu potencial”, escreve Yiannis Mouzakis no site Macropolis.

Tony Barber, no “Financial Times”, falava num país que, tal como Prometeu, está preso a uma rocha desde 2010. Tsipras espera, depois de se ter transformado de político radical de esquerda em aluno bem-comportado da União Europeia e dos credores, que o fim do ciclo de oito anos de reformas dolorosas traga a libertação do país dos grilhões que o prendem à grande pedra da austeridade. Para já, o governo planeia contrair nova dívida nas próximas duas semanas (será a primeira vez desde que o país voltou aos mercados, no verão passado) com um título de dívida a sete anos com o qual pretende angariar 3 mil milhões de euros. Nos próximos meses haverá mais recurso ao mercado da dívida, com obrigações a três anos e, depois, a dez anos.

No entanto, o mais importante a saber é que país emergirá depois de 20 de agosto, quando o terceiro programa de assistência financeira estiver concluído e a Grécia puder voltar a definir as suas próprias políticas.

No princípio da crise, o peso fiscal na Grécia totalizava 38,9% do PIB; em 2017 tinha crescido para 52% da produção económica. “Todos os impostos importantes na Grécia aumentaram substancialmente, incluindo os impostos sobre os rendimentos individuais, os impostos sobre os rendimentos das empresas, os impostos sobre o valor acrescentado e os impostos sobre a propriedade”, refere Dan Mitchell, do Cato Institute, no jornal “The Hill”.

Crescimento ou derrota Essa não é a narrativa que o governo pretende para a Grécia do fim da austeridade. Tsipras e o Syriza querem (precisam) de uma palavra que possam usar e repetir até às eleições de 2019 ou serão derrotados, como apontam as sondagens: crescimento. Sem crescimento económico, Tsipras não terá nada para oferecer ao eleitorado em troca do sacrifício económico e político. Ou a história tem sucesso ou não haverá continuação para o primeiro-ministro.

Até porque, se a taxa de desemprego está longe do pico de 2013, em que chegou a 27,8%, ainda continua a ser a maior da União Europeia, tendo ficado, segundo as estimativas, em 20,6% em 2017. O instituto de estatística grego calcula que em 2019 descerá para 18,7%, número que mesmo assim não dá para abrir as garrafas de champanhe e convencer o eleitorado.

Ainda para mais porque, entre os que têm emprego, mais de metade estão sujeitos a trabalhar em part-time ou em regime precário: dos 143 545 postos de trabalho criados em 2016, 54,8% estavam sujeitos à precariedade. Com o aumento de impostos, os encargos financeiros para as empresas por cada funcionário contratado tornaram-se tão altos que os recrutadores optam pelo precário – o que se reflete no bolso do contratado. Daí que mesmo os felizardos com trabalho tenham de viver com o dinheiro contado.

“Tive de mudar os meus hábitos, a minha qualidade de vida deixou de ser boa. Tens de pensar duas vezes antes de beber um café. Já não podes sair com os teus amigos todos os dias”, conta Stelios Xatzitheodorou, gerente do restaurante Efcharis, à revista “Les Inrocks”.

Em “Mundos Opostos”, Christopher Papakaliatis conta três histórias de amor entre gregos e estrangeiros num país em plena crise. Numa delas, uma dona de casa visita todas as semanas o mesmo supermercado, sem nunca comprar nada. Apenas para ver, sentir-se normal. Quando o professor alemão por quem se apaixona lhe pergunta por uma ideia louca que lhe passe pela cabeça, ela fala em poder passear-se à noite pelos corredores desertos desse supermercado.

Desde o voto do referendo de 5 de julho de 2015, em que o Syriza colocou as coisas em termos de austeridade imposta pelos credores ou o caos, os gregos resignaram-se a empobrecer e a ir desaparecendo das notícias. A inevitabilidade do Grexit – quanto não se escreveu sobre a saída da Grécia da União Europeia! – deu o seu lugar ao Brexit e, entre um e outro, os gregos permanecem ainda na Europa e no euro, mais pobres e desalentados, embora ainda comuns.

Para transformar um défice de 15% do PIB em 2009 num superávite de 0,7% em 2016 é preciso muito corte e grandes aumentos de impostos – nem as organizações de beneficência escaparam à sanha fiscal instituída pelo governo e imposta por Bruxelas: desde 2012 que pagam imposto sobre a propriedade.

Em 2017, se excluirmos o serviço da dívida, as contas terão fechado com 1,75% de excedente orçamental e há pressão dos credores para chegar aos 3,5% em 2018. Se a isso somarmos um decréscimo do PIB em 25% desde 2009, percebemos porque os gregos têm hoje tão pouca esperança.

Dignidade perdida Philip Chrysopoulos chama a 2017, no site Greek News, “o ano em que mais gregos perderam a sua dignidade”, pois o aumento de impostos que entrou em vigor a 1 de janeiro do ano passado “deu o golpe final no poder de compra” da população. Impostos diretos e indiretos fizeram disparar o preço dos alimentos, das bebidas, dos combustíveis, das telecomunicações, ao mesmo tempo que se cortava nas pensões e nos ordenados dos funcionários públicos.

Tsipras, o político de esquerda sem experiência de poder, aceitou em 2015, dias depois de 61% dos gregos terem rejeitado um plano de resgate financeiro muito duro, medidas de austeridade, impostas de fora, ainda mais duras. “O grande avanço chegará em agosto de 2018 quando, depois de oito anos, sairmos de novo do programa de supervisão internacional. É algo em que os cidadãos gregos ainda não acreditam, considerando o clima negativo que atualmente impera”, afirmava o primeiro-ministro em julho do ano passado, em entrevista ao “Guardian”.

A julgar pelas recentes manifestações contra as mudanças legislativas que tornaram, por exemplo, mais difícil o direito à greve – com mais de 20 mil pessoas nas ruas, violência, confrontos –, antes de acalmar, o clima na Grécia parece encaminhado para uma tensão maior. Os sindicatos prometem não ficar quietos a assistir a que um partido pejado de gente curtida no sindicalismo ataque, a mando dos credores, conquistas sociais e laborais que tanta luta custaram.

“Estes direitos ganharam-se com sangue e suor há mais de três décadas. Os bancos, os empresários da indústria e os investidores estrangeiros querem agora negar-nos esses direitos. Não vamos facilitar-lhes a vida. Vamos para a rua”, diz Odysseus Trivalas, presidente do sindicato da função pública, citado pelo “eldiario.es”.

Se, até agora, os sindicatos precisavam apenas de 20% dos trabalhadores para declarar uma greve – desde 2009 já se realizaram 50 greves gerais e no dia 15, quando o parlamento em Atenas votava o pacote legislativo imposto pelos credores, os transportes da capital grega estavam em greve de 24 horas –, passam a precisar de pelo menos 50% dos sindicalizados de uma empresa ou setor para convocar uma greve.

Para Odysseus, trata-se apenas de “uma forma de escravidão moderna” em troca de medidas que, diz, só chegarão ao bolso dos mais pobres daqui a duas décadas.

No debate no parlamento, Tsipras defendeu-se dizendo que das exigências dos credores – liberalização dos despedimentos, a autorização do locaute e a alteração do quórum das assembleias sindicais – só tinham cedido no último ponto e apenas a nível local, e para o quórum necessário para convocar o plenário antes da greve e não para a votação da paralisação em si.

Mesmo com essas explicações, muitos dentro no parlamento votaram carrancudos e com o nariz tapado, num contraste com os sorrisos e os cumprimentos recebidos pelo ministro das Finanças grego, Euclides Tsakalotos, em Bruxelas. No dia 22, na primeira reunião do Eurogrupo presidida pelo ministro das Finanças português, Mário Centeno falou das “boas notícias” que chegavam da Grécia e saudava “a adoção de quase todas as ações anteriormente acordadas” e o acordo político quanto à terceira revisão do programa do Mecanismo Europeu de Estabilidade: “Isto reflete o enorme esforço e a excelente cooperação entre o governo grego e as instituições.”

Além de mexer nos direitos laborais, o governo de esquerda grego acordou autorizar que os leilões das casas que os bancos retiram às pessoas atrasadas nos pagamentos de prestações passem a ser feitos pela internet – luz verde para que as instituições possam começar a despejar pela calada os clientes em dívida.

Muitos dentro do Syriza viram-se obrigados a engolir sapos enormes, a dizer sim a medidas que vão contra tudo o que lutaram a vida inteira. Tsipras teve de lhes prometer que era o mal menor, a única forma de livrar o país da intervenção estrangeira em agosto, desbloqueando a última tranche de 6,7 mil milhões de euros da ajuda financeira.

No princípio de janeiro, no encontro de líderes dos países do Sul, onde o primeiro-ministro português, António Costa também esteve, Tsipras afirmou que “a crise vai acabar onde começou, no Sul. Termina onde substancial e simbolicamente começou, com a saída da Grécia em agosto de 2018”. E se, no princípio da crise, do que se falava era da saída da Grécia do euro, agora é da saída do país do resgate financeiro.

Porém, a Grécia ainda está longe da “normalização” de que gostam de falar os credores e, ainda este mês, o diretor executivo do Deutsche Bank, John Cryan, em entrevista ao “Kathimerini”, deixava o alerta: “O caminho para a normalização continua longo e difícil.” Isto é, não pensem, depois de agosto, que as instituições europeias, o FMI, o Banco Mundial e os credores não estarão atentos à política do governo grego, prontos a fazer soar os alarmes internacionais à primeira medida que lhes pareça desadequada.

Turismo, salvação e pressão Num país sem muito para exportar, o turismo sempre teve um peso importante no PIB e, nos últimos anos, tornou-se o seu petróleo, a forma de conseguir divisas além dos empréstimos internacionais cheios de condições neste longo e difícil caminho desde a crise de 2009. O turismo vem quebrando recordes. Entre janeiro e setembro de 2017, 26 milhões de pessoas visitaram o país – uma subida de 8% em relação a 2016, que já tinha sido um ano de recordes. Os aeroportos gregos receberam 58 milhões de passageiros em 2017, mais 9,5% que em 2016.

Os grandes investimentos anunciam- -se aos magotes, com muitas infraestruturas em processo de finalização para acudir à próxima época alta. Em abril, no Peloponeso, é inaugurado um hotel de 172 quartos e 98 bungalows frente à praia; outro, de luxo, abre as portas em Creta nesse mês, com 152 suítes, quase metade delas com piscina ao ar livre; em maio abre em Corfu um novo hotel de luxo com 409 camas; também em maio está prevista a abertura de um hotel de luxo e amigo da natureza em Rodes. Até a atriz americana Lindsay Lohan quer abrir um segundo nightclub, agora em Mykonos, para somar ao que abriu em outubro de 2016 em Atenas.

Só que essa sobre-exploração dos recursos turísticos começa a deixar marcas, com excesso de visitantes nas épocas altas. Em Santorini, “preciosa gema do mar Egeu”, o esforço passa agora por limitar o número de visitantes diários a oito mil. Paragem habitual dos navios de cruzeiro, a estrutura do porto e a paisagem têm sofrido o impacto do aumento de turistas, que em 2017 chegaram a 12 mil pessoas diárias.

“Atingimos o ponto de saturação. É demasiada pressão”, afirmava em agosto ao “Guardian” o presidente da câmara de Santorini. De acordo com o censo de 2011, a ilha tem 15 550 habitantes e mais de dois milhões de turistas.

Mas a Grécia está na moda e vai ser difícil a Santorini, como ao resto da Grécia, controlar o fluxo turístico em contínuo crescimento: para 2018 já se inscreveram 439 navios de cruzeiro, mais 30 que em 2017, e para 2019 há 451 inscrições. Mais ainda agora que os árabes endinheirados a escolhem como um dos destinos privilegiados para férias. E num país com muito desemprego e trabalho precário, travar as receitas do turismo parece, no mínimo, um contrassenso e uma batalha condenada ao fracasso.