«Armas para os entediados»

Esta inscrição provocatória pede «armas para os entediados». 

Ora, num país de entediados, como o nosso, este pedido é demasiado perigoso, por abranger um número muito grande de indivíduos…

Até a própria solicitação de armas é uma afronta, por apelar à violência, à violência extrema, sobretudo por um motivo tão banal como o tédio. Só por nos sentirmos entediados, vamos pegar em armas e começar a disparar, só para nos distrairmos? Não faz sentido nenhum, daí que a intenção desta inscrição seja totalmente provocatória e, até, a de causar revolta.

Não podemos, nem devemos, recorrer à violência contra outros. Nunca. E recorrer à violência como forma de distração é absolutamente recriminável e abominável.

O próprio facto de haver um grupo significativo de pessoas que se sentem entediadas é uma situação que merece alguma reflexão. Sentir-se entediado é sentir falta de vontade de atuar, de agir; é sentir uma certa apatia perante os outros e perante a vida. Esta é uma realidade preocupante e temos de nos questionar sobre os motivos deste tédio, como Baudelaire o descreve: «Nada pode igualar os dias tormentosos / Em que, sob a pressão de invernos rigorosos, / O Tédio, fruto inf’liz da incuriosidade, / Alcança as proporções da / Imortalidade».

Muitas vezes, há pais que se queixam de que os filhos parecem não se interessar por nada, mostrando-se apáticos, sem vontade de estudar nem de trabalhar, movendo-se entre o quarto, onde se refugiam atrás de um ecrã de computador, e a sala, onde se sentam frente a outro ecrã, o do televisor. Estes pais sentem muita dificuldade em comunicar com os filhos, em fazê-los interessar-se pelo que quer que seja – pela família, pelos estudos, por uma profissão. Desesperados, os pais queixam-se aos colegas de trabalho, à família e até aos médicos; não parecem ver nenhuma solução, e vão continuando a conviver com estes jovens apáticos, que não descobriram a vida e se limitam a vegetar entre a cama, o sofá e a cadeira onde fazem o favor de se sentar para comer.

Tudo na vida destes jovens entediados parece contribuir para o tédio, para a apatia. E são estas, muitas vezes, as vítimas mais fáceis de grupos agressivos e radicais que procuram jovens sem interesses, que dão pouco valor à vida, mas que estão dispostos a aceitar um ideal, algo que lhes dê o sentimento de quebrarem esta apatia, de se revoltarem contra os pais que consideram culpados pela sua situação, contra um sistema que os empurrou para as franjas da sociedade, e encontram naquelas opções uma forma de libertação. Curiosamente, na obra recentemente publicada e intitulada Pequenos Delírios Domésticos, Ana Margarida de Carvalho, no conto «A Troca», tem uma personagem a que se refere do seguinte modo: «Bendito o dia em que descobriu aquele site na Internet, encontrou a fé, resolveu pôr-se dali para fora, (…), longe (…) das artimanhas da sobrevivência».

Colocar armas na mão destes jovens, depois de lhes semear ódio na alma, é um perigo de que só muito recentemente nos apercebemos, com os atos de terrorismo praticados em alguns países europeus.

Importa, pois, que, como sociedade, nos preocupemos com as opções de vida que proporcionamos aos jovens. Importa motivá-los para a vida, para o que esta tem de bom, para o futuro que os espera (mesmo que esta não seja tarefa fácil), para o mundo que querem ter. Porque só se atuarmos poderemos mudar o mundo, e só tornando-nos na mudança que queremos, poderemos ansiar por esta mudança.

Maria Eugénia Leitão, Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services