“Acho melhor arranjar outra pessoa.” Este foi o conselho dado pelo advogado Daniel Proença de Carvalho a Orlando Figueira no dia em que o antigo procurador foi alvo de buscas, a 23 de fevereiro de 2016. A escuta divulgada hoje pelo semanário “SOL” prova o alegado envolvimento de Proença de Carvalho no esquema que está na base do caso Fizz.
“Fui surpreendido com uma busca a minha casa e parece que estão a buscar o meu escritório também. Segundo a procuradora, que está aqui presente, vou ser detido e conduzido ao TIC [Tribunal de Instrução Criminal], no Campus de Justiça, para primeiro interrogatório judicial, e gostaria de ter a assistência do senhor doutor”, pediu Orlando Figueira. Proença de Carvalho recusou ajudar o ex-procurador, dizendo que tinha tido uma “intervenção mais recente” no processo e, por isso, não considerava “conveniente” ser ele a dar assistência jurídica a Figueira.
Esta conversa telefónica contradiz as declarações anteriores de Proença de Carvalho, que até agora afirmava não estar envolvido na revogação do contrato de trabalho entre Orlando Figueira e a Primagest, empresa com sede em Angola e através da qual o procurador justificou o recebimento de 630 mil euros. Num comunicado emitido em novembro do ano passado, o advogado disse que não teve “qualquer intervenção ou sequer conhecimento da contratação do Dr. Orlando Figueira”. “Nunca tinha tido, por qualquer meio, contacto com ele. É falso que o Dr. Orlando Figueira tenha alguma vez colaborado comigo ou com o escritório a que pertenço. Também não é verdade que eu tenha exercido qualquer cargo no Banco Atlântico, entidade a quem o nosso escritório tem prestado serviços, como o faz relativamente a outros bancos portugueses e estrangeiros”, acrescentou. Segundo o testemunho de Orlando Figueira, foi Proença de Carvalho que tratou da revogação deste contrato, em 2015.
Na segunda-feira, a defesa de Orlando Figueira pediu que algumas escutas relativas ao dia das buscas pudessem ser juntas aos autos do processo, no qual o ex–procurador é acusado de corrupção passiva. Em causa está o alegado suborno de 760 mil euros de Manuel Vicente, antigo vice-presidente de Angola, em troca do arquivamento de inquéritos em que era visado por suspeitas de crimes de natureza económica. O tribunal aprovou a junção da escuta aos autos.
Proença de Carvalho reagiu, ao final do dia de ontem, à divulgação da escuta telefónica, dizendo que, caso seja dispensado do segredo profissional, irá relatar as circunstâncias em que entrou em contacto com Figueira: “Tendo sido indicado como testemunha no processo em causa, caso seja dispensado, como espero, do dever do segredo profissional, relatarei ao Tribunal, com todo o rigor, as circunstâncias em que fui procurado pelo ex–procurador Orlando Figueira, em maio de 2015, três anos após a sua saída do MP. A escuta em causa em nada contradiz, pelo contrário, o que se passou e que explicarei ao Tribunal quando for ouvido como testemunha.”
Orlando Figueira continua a insistir que Vicente nada tem a ver com o dinheiro que recebeu e aponta o dedo a outra pessoa: Carlos Silva, vice-presidente do BCP em Portugal e presidente do Banco Privado Atlântico, que tem como correspondente em Portugal o Atlântico Europa, instituição através da qual foi paga parte dos subornos, afirma o MP.
Ontem, também Paulo Sá e Cunha, advogado que, segundo Figueira, lhe foi arranjado por Proença de Carvalho após este ter recusado patrociná-lo, também disse já ter pedido o levantamento do sigilo profissional à ordem.