Eusébio foi um rei com comportamento de príncipe.
Por cá, chamámos-lhe o King.
Descansem: não vou falar da Inglaterra, da devoção inglesa por Eusébio. Mas a verdade é que toda essa devoção britânica como que justificou o nome: King.
E o nome veio precisamente de 1966, do campeonato do Mundo, dos nove golos marcados em Inglaterra, do título de Melhor Marcador da Fase Final do Campeonato do Mundo de 1966, e das botas que a marca Puma fez propositadamente para ele e que se chamavam King.
King ficou.
Eusébio era figura em toda a parte, por qualquer razão.
Fotos, fotos e mais fotos.
Artigos e mais artigos: manchetes, análises de fundo, reportagens, entrevistas; páginas inteiras, meias páginas, rodapés, medidas dez.
Eusébio no Parque Mayer com o gorducho Vítor Mendes…
Eusébio ao volante do seu Simca Aronde, novinho em folha…
Eusébio assinando novo contrato com o Benfica, por mais três anos…
Eusébio com James Mason: o James Mason a fazer de Rommel em “A Raposa do Deserto” e “Os Ratos do Deserto”; a fazer de Brutus em “Júlio César”; a fazer de Norman Main em “Do Céu Caiu Uma Estrela”; a fazer de Capitão Nemo em “As Vinte Mil Léguas Submarinas”… Paris, Europa, Condes, São Jorge: vi tantos filmes com o James Mason como golos do Eusébio…
Eusébio trocando umas bolas com o filho do xá da Pérsia…
A Pérsia… Reparem: a Pérsia merece reticências. Reticências de quem suspira, quero dizer.
A Pérsia… Agora chamam-lhe Irão, precisamente onde estou e neva sem parar.
Irão: o país dos arianos.
Pérsia: um país de sons. Ouçam-nos: a cordilheira do Paropamisus e o Hindu Kuch; as cidades de Xiraz, Tabriz e Kermanxá e Ispaão, Icbatana e Pasárgada; os montes Jalavão e Solimão; as regiões do Corassão, do Mazanderão; ; a embocadura do Chat-el-Arab; as ruínas milenares de Nínive e da Babilónia; os impérios de Dario, o emulador de Assurbanipal e Nabucodonosor.
Os sons da Pérsia: dão vontade de a gente se levantar da cadeira e correr para cá, para ouvi-los de perto, como num murmúrio.
Eusébio esteve aqui, na Pérsia. Eusébio esteve em toda a parte. Esteve na Pérsia. Na Pérsia do xá Mohammad Reza Pahlavi, o filho de Reza Khan Pahlavi.
Esteve na Pérsia a convite da Direção–Geral dos Desportos Iranianos e da Autoridade Superior da Polícia Iraniana, à qual pertencia a equipa do Pas Club. Convite bem pago, como é óbvio: 500 contos por jogo. Nenhum outro clube no mundo cobrava tanto, a não ser o Santos de Pelé que, por sinal, tinha estado na Pérsia uns meses antes. Dois jogos em Teerão, com o Persépolis e o Pas Club: duas vitórias em ritmo de passeio (4-0 e 2-0). Mas a festa dos persas em redor do Benfica e de Eusébio atropelou o futebol.
Desde cedo, as pessoas foram em romaria pelas ruas e caminhos da cidade até ao estádio, na ânsia de ver Eusébio, na expetativa grande de observar a verdade das suas proezas. Eusébio era uma promessa. E Eusébio cumpriu-se. Mal o primeiro jogo se iniciou, aquele que opôs o Benfica ao Persépolis, Eusébio faz um golo espantoso.
Há uma foto de Eusébio, à civil, pulôver branco e calças de fazenda clara; do lado esquerdo da fotografia, segura uma bola a mãos ambas; do lado direito, um rapazinho, ainda não adolescente, segura também a mãos ambas a mesma bola; estão os dois sorridentes, de uma felicidade genuína: 17 de março de 1971, jardins do Palácio de Nivaran, em Teerão. “O filho do Xá que, como quase todos os meninos da sua idade, adora o futebol, viu satisfeita a sua ambição de conhecer Eusébio e trocar com ele algumas jogadas.” Outra foto: Eusébio está de costas, à civil, preparado para receber o passe do menino que, ao longe, acabou de aplicar na bola um pontapé decidido: “Satisfazendo um desejo do príncipe-menino, herdeiro do trono da Pérsia, Eusébio, rei do futebol, troca com ele alguns passes, que o pequeno Reza Pahlavi se esforçou por imitar.”
Palácio de Nivaran: era aí que vivia Mohammad Reza Shah Pahlavi, Arya Mehr Shahansha (Imperador dos Arianos e Rei dos Reis), xá da Pérsia entre 1941 e 1979, quando foi expulso pela revolução islâmica dos aiatolas. Eusébio, unicamente acompanhado por Leite Inácio, dirigente do Benfica, foi recebido pelo principezinho que nunca chegou a ser xá. Para lá dos portões dominados pelos soldados da Guarda Imperial, o jovem Reza Pahlavi ii recebeu Eusébio com uma vénia acentuada e deu-lhe as boas-vindas, enquanto a mãe, Farah Diba, observava o encontro de uma das varandas do palácio. Eusébio trazia prendas: a bola assinada por todos os jogadores, uma camisola do Benfica; o livro “Rei Eusébio”.
Depois jogaram à bola e tiraram fotografias.
Em seguida, Eusébio dirigiu-se ao Estádio Shirodi e equipou-se. Quando entrou em campo para defrontar o Pas Club ouviu mais de 30 mil pessoas gritarem o seu nome em coro.