Quem nos acode?

No dia 26 do mês passado passado os advogados manifestaram-se em defesa de interesses da classe, que mal percebi quais eram. 

Parece existir qualquer coisa que tem a ver com uma lei injusta, ou com a aplicação injusta da lei. Tanto faz! Simplesmente, há manifs e manifs – e esta não pode ser vista como uma qualquer. É um acontecimento de enorme significado, que tem de ser descodificado à luz do que lhe está subjacente.

Os advogados são os profissionais a quem os cidadãos recorrem para defender os seus interesses, quer na fase administrativa, quer em tribunal. Pela natureza das coisas, não haverá ninguém mais habilitado a saber quais as ações que podem ser eficazes para sustentar a defesa dos direitos, e quais as que resultam em pura perda de tempo, mesmo se previstas na lei. Assim sendo, o que os advogados vieram dizer ao país é que estão a tentar resolver na rua o que não conseguiram tratar nas repartições.

As manifestações e as greves constituem formas de luta de natureza excecional, que só devem ser usadas depois de esgotadas todas as vias de negociação. Como, neste caso, a greve não é opção, as ações de rua querem dizer que os advogados deixaram de considerar o Ministério da Justiça um interlocutor idóneo, e que temem recorrer aos tribunais. 
Numa negociação, a rutura é um facto que nada tem de extraordinário, e pode empurrar para o braço-de-ferro entre as partes. Até aí tudo normal. Porém, ao protestarem na rua, os advogados passaram uma mensagem alarmante: 

1. Que o apelo à Provedoria de Justiça – previsto na lei, para corrigir os abusos da Administração Pública – é ineficaz, porque os governos, todos os governos, desconsideram o provedor; 

2. Que não confiam nas decisões dos tribunais. Nem mais, nem menos! E o sinal que dão é tenebroso: é preciso vir para a rua, porque a Justiça… só funciona sob pressão.

As revelações da Operação Fizz − mormente a confissão de um ex-procurador, que disse levar os processos para casa, para evitar que desaparecessem no DCIAP − vieram dar razão às suspeitas que pairavam no ar: até ao consulado da atual procuradora, a instrução de ‘certos’ processos submetia-se à vontade de ‘certos’ interessados, e os arquivamentos aconteciam contra o pagamento de uma propina. Um susto! Se voltarmos a face da moeda, entramos no reino dos magistrados judiciais, onde continua o escândalo dos juízes com anos de avaliações negativas, que continuam a julgar, ou seja, a fazer má Justiça.

No mês do Pacto da Justiça e da solene de abertura do ano judicial, este estado de coisas é caricato e revoltante. E explica a razão pela qual, este ano, a cerimónia ficou reduzida a uma encenação pífia, a que ninguém ligou importância. Magistrados judiciais, magistrados do MP e advogados não ignoram que o barco mete água por todos os lados.

Os portugueses também! A má consciência fê-los recusar o aparato que os punha a ridículo. Antes assim. Em todo o caso, aos olhos de todos, chegámos ao fim da linha. Quem nos acode?