Parece que foi de propósito, mas não. Não estava previsto escrever este texto num dia em que foi registado mais um sismo em Portugal, mais uma vez no Alentejo. Mas a verdade é que este tipo de eventos vai acontecer com frequência e coincidências deste género serão o menor do seus efeitos.
O de ontem teve uma magnitude de 3,1 na escala de Richter. Foi sentido mas não provocou danos. O de 15 de janeiro tinha uma magnitude de 4,9, foi sentido até Braga – ainda que o epicentro tenha sido na zona de Arraiolos – e, apesar de não ter provocado danos, foi suficiente para assustar um país pouco habituado a ver a terra tremer de forma intensa.
“Este tipo de sismos são bons, são exatamente o tipo de sismos que queremos ter”, salienta Susana Custódio. Mas antes que estas declarações comecem a fazer chover comentários negativos, esclareçamos: a sismóloga ouvida pelo i considera que estes pequenos tremores de terra chamam a atenção da população para algo mais grave. “Alertam para um perigo iminente”, garante. Até porque já é mais que sabido que Portugal voltará a viver um sismo da intensidade do de 1755 ou superior, ainda que sem data marcada.
“Nem eu nem ninguém sabe se vai ser daqui a um mês, daqui a um ano, dez, cem ou 500 anos. Mas vai acontecer, sobre isso não há dúvidas”, esclarece João Appleton. O engenheiro civil refere, no entanto, que não é garantido que esse acontecimento tenha como epicentro Lisboa. “A cidade tem uma história de sismos com duas origens distintas: terra e mar. Os que acontecem no Atlântico tendem a afetar mais a zona do Algarve”, lembra.
Aliás, é normal associar o sismo de 1755 a Lisboa, mas mesmo esse foi mais intenso no Algarve. “A questão é que, na época, Lisboa era uma cidade muito rica a todos os níveis e, por isso, o impacto de do sismo na cidade foi enorme”, esclarece Susana Custódio.
Mesmo assim, a sismóloga não desvaloriza o facto de os terramotos acontecerem tendencialmente em cidades. “Os sismos ocorrem em zonas com falhas tectónicas ativas e essas falhas formam–se muitas vezes em bacias sedimentares.” É o caso de Lisboa, mas também de Istambul, Los Angeles ou Tóquio. “As pessoas são atraídas para essas zonas por serem planas, férteis e perto da água”, lembra, ainda que não seja tácito pensar que no interior dos continentes estaremos mais seguros. “Veja-se os Himalaias”, aponta Susana. “Apesar de não serem no litoral, estão na fronteira entre a placa indiana e a placa euro-asiática.”
Lisboa em risco Portugal, plantado à beira-mar, fica sem margem de manobra para fugir ao risco a que o litoral está sujeito. Mais ainda quando se trata de um país situado na zona de convergência de duas placas tectónicas que, quando se aproximam, libertam energia em forma de ondas sísmicas.
Apesar de no caso dos terramotos não se fazer uma previsão temporal, é feita uma previsão espacial e – surpresa – Portugal está numa zona de risco sísmico, calculado quando se soma à intensidade do sismo a qualidade das infraestruturas do local. E é aí que a coisa se complica.
“Há uma falta de fiscalização generalizada”, alerta João Appleton. O engenheiro refere-se à inevitabilidade de uma Lisboa antiga, construída quando ainda não havia regras antissísmicas para cumprir, mas também de construções recentes, o que, na sua opinião, “devia ser considerado um crime”.
O engenheiro civil especializado em reforço sísmico recorre à História para traçar um plano da cidade. “Até 1960 não havia regulamentação específica quanto aos sismos e, mesmo depois disso, só a partir de meados da década de 80 é que surgem os primeiros regulamentos que se podem considerar satisfatórios no que diz respeito à segurança dos edifícios”, explica. A única exceção apontada pelo especialista refere-se aos edifícios construídos logo a seguir ao terramoto de 1755, mas mesmo esses “foram alterados e adulterados ao longo do tempo”.
Com este background em mãos, João não tem dúvidas na hora de apontar as as zonas mais vulneráveis da cidade: “Basicamente, tudo que foi construído na primeiras décadas do séc. xx, ou seja, quando Lisboa se expandiu para norte.” Trocado por miúdos, é como se traçássemos uma linha que divide a cidade em dois e esse traço fosse feito a meio da Avenida da Liberdade. “São só edifícios construídos em altura, sem cuidados e colocados uns ao lado dos outros, sem ter em conta que, durante um sismo, os edifícios chocam uns contra os outros.”
Muito a aprender Os dois especialistas ouvidos pelo i desvalorizam estes pequenos sismos que têm sido registados em Portugal e, desses acontecimentos, só tiram como vantagem o facto de relembrarem aos portugueses que estão sob terra pouco firme. “Costumo usar esta analogia: Portugal não participou na ii Guerra Mundial e não aprendeu algumas coisas que outros países aprenderam com essa experiência. Com os sismos, é igual. Como o maior aconteceu em 1755 e, ao contrário de países como a Roménia, a Itália e o Japão, não somos constantemente relembrados do perigo, acabamos por ficar descuidados.” João fala de um mal “bem português” que é pensar que o mal acontece sempre aos outros e que se está sempre “sob a proteção da Nossa Senhora de Fátima”.
Já Susana, mais otimista, lembra que quando era criança ninguém sabia o que era a proteção civil e que, hoje, os seus filhos têm até simulacros de sismos na escola. Ainda assim, a sismóloga relembra o bê-á-bá sobre o que fazer durante um sismo, algo que, lá está, só é aprendido nos primeiros anos de escola. “Se estiver no exterior, fique no exterior; se estiver dentro de um edifício e se ele estiver seguro, mantenha-se lá dentro.” A sismóloga lembra que numa hora de desespero não existem regras, mas aconselha um exercício para fazer já: “Olhe em volta, faça uma rota de evacuação na sua cabeça e pense onde poderia proteger-se. Aprendemos na escola que devemos pôr-nos debaixo da mesa, mas e se a secretária do seu escritório não for segura?”