As pressões e as Guerras do caso Fizz

Nos últimos dias foram revelados os ‘nomes mistério’ das anotações de Orlando Figueira. Blanco falou de ‘pressões’ e disse que sempre quis fugir das ‘guerras’ entre ‘fações’ angolanas. 

Há cada vez menos curiosos na sala onde está a acontecer o julgamento onde se estão a decidir as relações entre Portugal e Angola. Hoje não tanto como no início, porque o Fizz já não tem como arguido o ex-vice-Presidente de Angola – cujo processo o tribunal determinou correr em separado.

Orlando Figueira, o procurador que o Ministério Público acredita ter sido corrompido por Vicente, terminou a sua defesa na última segunda-feira e o resto da semana foi dedicada à defesa de Paulo Blanco, o arguido que enquanto advogado defendeu o Estado angolano em diversos processos. Foi Blanco quem revelou as pessoas que estavam por detrás das anotações codificadas de Orlando Figueira e que defendeu em quase todas as sessões que a acusação tem feito confusão entre diferentes sociedades com o mesmo nome, alegando que há duas Portmill e pelo menos três Rosecitys.

Esta semana ficou ainda a saber-se que o Tribunal quer ouvir presencialmente o banqueiro Carlos Silva (vice-presidente do Millenium BCP), mas, ao que o SOL apurou, a notificação terá já sido devolvida e terá de ser reencaminhada para a morada de Angola.

Figueira diz que sempre quis fugir a ‘guerras’ de Angola 

Nas últimas respostas que deu em tribunal, no início da semana, Orlando Figueira reconheceu que em determinados momentos houve a tentativa de em Angola se usar processos da Justiça portuguesa para se fazer política e alimentar ‘guerras’ entre fações que não se davam. Garantiu, porém, que sempre tentou fugir a essas situações. «Sempre tentei separar a justiça da política», afirmou, concluindo: «Até porque os que hoje não se dão amanhã são íntimos».

Paulo Blanco começou e o coletivo irritou-se

Menos ansioso do que Orlando Figueira, Blanco levantou-se e informou os juízes que pretendia fazer como o antigo procurador e contestar ponto por ponto o que está na acusação. 

«O MP optou cegamente por seguir uma linha de investigação quando, no processo, os documentos identificam as empresas e as contas bancárias», disse, insistindo na tese de que os investigadores confundem empresas que, tendo o mesmo nome, não são as mesmas. As considerações alongaram-se e o coletivo teve de advertir o arguido para se focar nos factos da acusação e não fazer mais considerações.

Ainda assim, o arguido fez questão de continuar a lançar críticas ao MP (e às ligações deste com a imprensa) e de sublinhar que a Portmill através da qual Manuel Vicente e outras personalidades angolanas pagaram tranches dos apartamentos da Estoril Sol Residence não é a mesma Portmill que comprou 24% das ações do BESA Angola ao BES (os dois negócios que foram investigados pelo antigo procurador).

Blanco diz que se aproximou de magistrados devido a pressões

Assim que se focou na acusação, Paulo Blanco garantiu que não foi ele quem se aproximou de alguns magistrados do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, mas que eram os procuradores a procurá-lo, por saberem que era advogado e tinha boas relações em Angola: «Não era eu que me andava a oferecer no DCIAP».

Acabaria mais tarde por dizer que «houve um conjunto de momentos […] que tocaram a todos em termos de pressão» e que isso o aproximou de alguns magistrados do DCIAP. Lembrou que no âmbito da investigação à megafraude ao tesouro angolano até o juiz Carlos Alexandre e a então diretora do departamento Cândida Almeida foram pressionados.

Quanto a Manuel Vicente, que também representou enquanto advogado, confessou nunca o ter conhecido pessoalmente, lembrando que era Armindo Pires a sua ligação com o ex-vice-Presidente angolano.

Outra empresa que afinal são várias, segundo Blanco

Na quarta-feira, depois de muito se falar sobre o facto de a defesa considerar que o MP errou ao considerar que só existe uma Portmill, mais uma polémica idêntica trouxe tensão à sala de audiências. Durante a parte da manhã do julgamento, a defesa de Armindo Pires questionou o coletivo (enquanto Blanco apresentava a sua defesa) sobre qual a ligação entre a Rosecity e Manuel Vicente, algo que tirou do sério a procuradora Leonor Machado. A magistrada citou emails internos do BCP onde se refere que Vicente é o principal beneficiário da mesma e, de seguida, ironizou: «Ou também havia duas Rosecity?». «Isto é que é um caso em que os documentos falam por si», reforçou Leonor Machado.

O advogado Rui Patrício, que representa Manuel Vicente e Armindo Pires, respondeu que, de facto, existem mesmo duas diferentes.

Arguido diz que Vicente vendeu bens, mas não para esconder

Segundo Paulo Blanco, Manuel Vicente, ex-vice-presidente de Angola, não se desfez do seu património em Portugal para, como diz a acusação, se desligar aparentemente da teia de corrupção. Blanco disse ainda que a venda dos ativos em Portugal aconteceu porque Vicente estava pouco tranquilo com todos os casos que estavam a correr na Justiça e com as fugas de informação.

O MP defende que não só o caso da compra do apartamento no Estoril Sol foi arquivado por Orlando Figueira, como ainda o foi de forma mais célere do que os que corriam na Justiça contra outras personalidades angolanas e de outras nacionalidades pela compra de apartamentos naquele condomínio. Refere ainda a acusação que, com o arquivamento e com a alegada contratação de Orlando Figueira (parte das contrapartidas), Vicente vendeu o seu apartamento ao seu homem de confiança para que não estivesse ligado ao mesmo.

Paulo Blanco avançou com uma outra tese: «Houve quem dissesse que era incompatível ter participação no banco BIC e estar em órgãos de supervisão do BCP, o que não era, mas o senhor eng. Manuel Vicente seguiu os conselhos de um conjunto de pessoas que sugeriam a venda. E aí foi constituída a sociedade Edimo [de enteado de Vicente], que veio a adquirir a participação social».

Referiu ainda que, após isso e dada a intranquilidade de Manuel Vicente, o «apartamento Estoril Sol e a participação do BIC (já da Edimo) foram vendidas a Armindo Pires».

Ricky Martin, Meias Brancas e Loira. Códigos revelados

Na última semana, o tribunal tinha ficado intrigado com os nomes codificados que surgiam numa anotação de Orlando Figueira. Em causa estava um encontro a 24 de Novembro de 2011 que Orlando Figueira teve no Central Parque, em Linda-a-Velha, e no qual recebeu informações sobre o processo 77/10, relativo a uma mega fraude ao tesouro angolano, tendo-as escrito no seu caderno.

Esta semana, Paulo Blanco revelou o que Orlando Figueira não quis revelar ao tribunal: «É referido nas anotações a ‘Loira’, que é a senhora doutora Ana Bruno [advogada]; o ‘Meia Branca’ é o doutor Rosário Teixeira; e o ‘Ricky Martin’ é o doutor Ricardo Matos [procurador do DCIAP]».

Perante as novas informações, o juiz voltou a ler as notas manuscritas de Orlando Figueira, já com os nomes verdadeiros: «Álvaro Sobrinho está envolvido com a Loira, que o doutor Paulo Blanco diz que é Ana Bruno, e Ricky Martin, que o doutor diz que é o doutor Ricardo Matos, na lavagem de um processo do Meia Branca, que o doutor diz que é Rosário Teixeira. Há lá grilos».

Foram muitas as críticas do coletivo à postura de Orlando Figueira, por ter tentado esconder quem era quem.

Ex-PGR de Angola depõe por escrito

João Maria de Sousa, o homem que até há pouco tempo esteve à frente do Ministério Público angolano, prestou depoimento por escrito, como testemunha de Paulo Blanco e de Armindo Pires, homem de confiança de Manuel Vicente em Portugal. 

No documento a que o SOL teve acesso, pode ler-se que João Maria de Sousa reitera o que a defesa de Paulo Blanco e de Orlando Figueira já tinham dito sobre a viagem a Angola do antigo procurador – no depoimento diz-se que foi o próprio PGR a convidar, via o seu homólogo da altura, Fernando Pinto Monteiro, Orlando Figueira e um outro procurador do DCIAP e não Paulo Blanco como defende a acusação. 

É também referido que Blanco tinha uma relação boa e com alguma proximidade com Cândida Almeida, então diretora do DCIAP, referindo João Maria de Sousa que até falavam por telefone. 

Afirma ainda ser verdade que Paulo Blanco e Manuel Vicente nunca se conheceram e adianta que nem nunca soube das intenções do banqueiro Carlos Silva em contratar Figueira, algo que só soube depois, «por via das [suas] funções».

O antigo PGR angolano faz ainda questão de referir por diversas vezes que em encontros que teve em Lisboa com magistrados portugueses, e que já foram referidos pelos arguidos, esteve com duas procuradoras cujo nome não se recorda. A pergunta era sobre se se lembrava da participação nesse encontro das procuradoras Teresa Sanchez (adjunta de Orlando Figueira que a acusação diz ter tido um papel limitado) e Elisa Santos: «Se bem me lembro, a certa altura da conversa com as duas Procuradoras no almoço no Restaurante Sete Mares, elas elogiaram o Dr.  Paulo Blanco pela sua tese sustentada nos requerimentos que apresentou no DCIAP, e segundo a qual, quando inexistem antecedentes criminais e processos em curso por crimes precedentes, não se pode acusar alguém por crime de branqueamento de capitais. Foi uma conversa amena e salutar», referiu.

A acusação do DCIAP defende que Orlando Figueira não fez tudo o que podia enquanto procurador antes de arquivar o inquérito em que Manuel Vicente era investigado pela compra do apartamento no Estoril Sol.

Carlos Silva diz que tudo o que se tem dito é ‘fantasia’

O banqueiro Carlos Silva reagiu no início da semana em comunicado às acusações de que tem sido alvo por parte de Orlando Figueira e Paulo Blanco, afirmando que nada do que tem sido dito é verdade. Em causa estão as acusações de Orlando Figueira e de Paulo Blanco de que os verdadeiros responsáveis, como Carlos Silva, não foram constituídos arguidos e que o MP insistiu na tese de que quem esteve por detrás de tudo foi Manuel Vicente.

Segundo o vice-presidente do Millennium BCP e presidente do Banco Privado Atlântico, trata-se de uma tentativa «recente e oportunista de adulterar a realidade» – que, diz, «assenta em insinuações falsas».

O banqueiro diz mesmo que tudo o que Orlando Figueira tem dito é «fantasia».