Que saudades de estar de cama

Nos tempos da infância e adolescência, ter febre e mal-estar dava-me direito a ficar na cama sem fazer nada. Um luxo!

Os bichos chegaram em força a nossa casa, passaram por quase todos e este ano dedicaram-se especialmente a mim. Talvez porque sou a única que não come a sopa e não dorme o suficiente. Para ajudar à festa, fiz um enorme corte na mão, que não vou descrever para não ferir suscetibilidades, que teve de ser suturado. Tudo junto já devia dar direito a umas horinhas de descanso, mas a casa cheia de crianças enérgicas não dá tréguas.

Dei por mim a fazer o jantar quase sem poder mexer a mão, cheia de dores e febre e um pingo a escorrer ininterruptamente pelo nariz. A pôr a mesa, dar banhos, vestir, arrumar a casa, mudar fraldas, deitar. Tudo com direito a pedidos especiais, chamadas várias já da cama e todo o tipo de requintes próprios de crianças.

Ser mãe de filhos pequenos é, entre outras coisas maravilhosas, deixar de ter momentos mortos, viver no barulho e agitação, ter escolta para ir à casa de banho, ser daquelas pessoas a quem se telefona e só se ouve gritaria atrás, sofrer tortura diária do sono, não conseguir ouvir uma frase seguida do noticiário, acordar de manhã e parecer que a casa foi assaltada e… não ter direito a estar doente. Enquanto me sentia um resto de gente e fazia esse jantar interminável, que nem cheguei a provar, pensava nos tempos de criança e adolescente quando ter febre e mal-estar dava direito a estar na cama sem fazer nada. Um luxo! A mãe à nossa volta a trazer o que fosse preciso, a dar medicação e cuidar de nós. Um tratamento de rainha! Agora é mais um tratamento de escrava e muitas vezes, nem a faltar ao trabalho dá direito.

Apesar de tudo, parece-me que geralmente o pai ainda consegue manter parte do estatuto VIP. Muitas vezes quando está doente – com 37,1 de febre – fica totalmente incapacitado, como se um camião lhe tivesse passado por cima, e a mulher junta-o à lista dos dependentes e cuida dele com a mesma dose de dedicação e paciência que tem para os mais novos.

A vida tem várias fases e esta é exigente e cansativa, mas muito especial. Rica, emocionante, alegre, com novidades e sorrisos todos os dias. Este mundo que trazemos às costas só significa que não temos nada de grave e que todos à volta acreditam que mesmo doentes estamos cheias de força, vitalidade e vontade de fazer todas as tarefas da casa. Que adoramos fazer o jantar enjoadas sem conseguir olhar para a comida, dar banhos com dores em todos os músculos do corpo, que estamos cheias de vontade de acordar bem cedinho para levar os miúdos à escola e dispensamos perfeitamente descansar uns minutos. Difícil seria querermos estar de pé mas termos mesmo de estar de cama. E ainda virá o dia – ou pelo menos assim espero – em que me vou sentir bem e achar que tenho energia para fazer tudo e mais um par de botas e os filhos bem mais altos do que eu e o marido de cabelos brancos vão dizer que tenho de me resguardar. Enquanto esse tempo não vem, bem posso agradecer ter pequenos mafarricos, dependentes, famintos e exigentes para tratar, mesmo quando precisava que tratassem de mim. Bom, e daquele menos pequeno também.

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