Numa entrevista dada à TVI24, o ex-espião Frederico Carvalhão Gil, que foi ontem condenado, em cúmulo jurídico, a sete anos e quatro meses de prisão por espionagem e corrupção passiva, defendeu novamente a tese de que os 10 mil euros que recebeu do espião russo não tinham nada a ver com a venda de informação sobre a NATO e o Serviço de Informações e Segurança (SIS) portugueses, mas sim com um negócio de azeite. Para além disso, Carvalhão Gil apontou ilegalidades no processo que conduziu à sua condenação, afirmando que nem o tribunal viu a documentação que levou à sua condenação.
“A juíza, o tribunal foi capaz de julgar com matéria que assume que é segredo de Estado, matéria que hoje [quinta-feira] nos disse ali que nunca viu, como é possível? E portanto, eu não sei como é que se consegue fazer um julgamento assim, violando a lei”, criticou o ex-funcionário do SIS.
Carvalhão Gil garante que o documento em causa – com o qual foi apanhado quando foi detido em Roma, em maio de 2016, por suspeita de estar a vender informação confidencial aos serviços de informação russos (SVR, a ex-KGB da antiga URSS) – não te qualquer informação sobre o Estado português e não é acessível apenas a elementos dos serviços sceretos portugueses.
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“As informações que eles hoje [quinta-feira], na sessão, referiram como fundamento não têm elemento nenhum que seja do serviço [SIS], que seja do Estado português, ou que seja só acessível por quem conheça o serviço. Fala, de facto, do diretor-adjunto do serviço com informações que nós podemos encontrar na imprensa, muito completas”, disse à TVI24.
O ex-funcionário do SIS recordou ainda a forma como conheceu o espião russo Nicolaevich Pozdnyakov – o funcionário dos SVR estava em Lisboa a passar férias e “acidentalmente” entraram em contacto. A partir daí, surgiu uma amizade. “Foi ali num café ao pé do rio Tejo. Já não sei quem é que se sentou primeiro, se fui eu ou o grupo onde ele estava. Ouvi falar russo e (…) começou ali a conversa e depois evoluiu”, recordou Carvalhão Gil, que continua a dizer que não sabia que o russo era espião.
“A minha relação não era essa. Nem nunca soube que tinha tal ligação. Para mim, era de facto um homem de negócios russo, um empresário, que eu conheci acidentalmente e com o qual encontrei uma oportunidade de negócio. Aliás, se eu, em algum momento, tivesse suspeitado que as intenções dele fossem outras eu obviamente que tinha comunicado imediatamente ao meu serviço”, defendeu.
O ex-funcionário do SIS admite que tinha um documento classificado na mochila no momento em que foi detido, mas garante que se tratou de um “descuido”. Quanto ao dinheiro que recebeu nessa altura, Carvalhão Gil continua a defender que esse montante seria usado para um negócio de exportação de azeite: “Foram-me entregues relacionados com o negócio de azeite. Eu comprometi-me, numa situação anterior, a adquirir azeite em Portugal e depois fazer-lho chegar”.
Ao longo do processo, este foi o álibi apresentado pelo ex-espião. Ontem, o tribunal afirmou que não considerou credível esta versão, pois Carvalhão Gil não falou sobre este negócio nos interrogatórios e usou o alegado álibi apenas na primeira audiência.
Alguns familiares de Carvalhão Gil foram chamados a testemunhar e falaram sobre este alegado negócio de azeite. O irmão do espião confirmou a existência de algumas oliveiras, mas afirmou que, desde a morte do pai, estas não estavam a produzir.
Carvalhão Gil vai continuar em prisão domiciliária, com pulseira eletrónica, situação em que se encontra desde junho de 2016.