Menos de um mês depois do Parlamento ter debatido os projetos de lei do BE e do PAN para a legalização da canábis para fins medicinais – que baixaram à especialidade sem terem sido votados na generalidade -, os deputados do PSD Ricardo Baptista Leite e André Brandão de Almeida avançaram com uma moção intitulada ‘Legalize – Estratégia Para a Legalização Responsável do Uso de Canábis em Portugal’. A moção será apresentada no 37.º Congresso Nacional do Partido, a realizar-se entre 16 e 18 de fevereiro.
A proposta é inédita e surpreende especialmente por partir do PSD, uma vez que admite o consumo recreativo da droga a partir dos 21 anos. A estratégia prevê a venda em farmácias e só pode comprar, dentro de um limite diário, quem estiver registado numa base de dados.
O SOL procurou reações ao documento junto de especialistas. João Goulão, diretor do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) – que esta semana levou à Assembleia da República um relatório que revelou um aumento do consumo de canábis e da frequência de consumo em 2016 – disse não dever pronunciar-se sobre o seu teor, «na fase atual, prévia à discussão interna no âmbito de um partido político». O diretor do SICAD defendeu, contudo, que a moção «não é comparável às propostas de lei do BE e do PAN, que versam o uso terapêutico da canábis, enquanto esta se centra no seu uso recreativo». Recorde-se, no entanto, que o responsável manifestou recentemente a sua opinião quanto ao consumo recreativo, em entrevista ao Público: «Não sou muito entusiasta da legalização para fins recreativos».
Já o psiquiatra Luís Patrício, antigo diretor do Centro de Atendimento a Toxicodependentes das Taipas e atualmente à frente do projeto pedagógico Mala da Prevenção, não poupa críticas à moção. «Parece-me ter imprecisões técnicas e contradições que bem mereciam muito cuidada revisão. Talvez assim esteja pelo facto de os autores não trabalharem diariamente com consumidores e com doentes», diz. Como contradições, Luís Patrício destaca uma em particular. Os deputados «escrevem ‘recreativo’, mas logo abaixo escrevem ‘consumo diário’. O uso recreativo ou festivo não será diário. Sendo diário, é regular, habitual e com mais riscos de se manifestar a síndroma de abstinência se não houver consumo. [Nesse caso,] dependência confirmada».
O médico recusa a venda de produtos químicos recreativos em farmácias. «Haja a dignidade de não venderem álcool etílico a um dependente de álcool […] Não vale tudo. Ainda haverá quem queira descer mais?».
Líder da JSD está contra
No PSD a legalização está longe de ser pacífica. As propostas que, até agora, surgiram no Parlam ento nesse sentido foram chumbadas pelos sociais-democratas.
O presidente da JSD e deputado, Simão Ribeiro, que integra a comissão parlamentar de Saúde, deixa claro que não é «favorável» à legalização das drogas leves. «Criou-se uma falsa noção da perigosidade em relação à canábis. Os efeitos secundários a curto e médio prazo são de uma dimensão nefasta para a saúde», diz ao SOL o líder da JSD.
Ângela Guerra, coordenadora do PSD na comissão parlamentar da Saúde, também aceita dar opinião a título pessoal e também discorda da liberalização para fins recreativos. «Concordo apenas para fins terapêuticos e em situações muito especificas».
O deputado e ex-líder da JSD Duarte Marques também apoia o uso para fins terapêuticos, mas tem dúvidas sobre a despenalização total.
Na campanha interna do partido, Rui Rio pronunciou-se a favor, mas deixou claro que o uso de canábis só deve ser permitido com «receita médica».
*com Luís Claro