Martin Schulz conseguiu negociar um acordo de coligação de Governo que deu ao SPD duas das pastas mais importantes do próximo governo alemão: as Finanças e os Negócios Estrangeiros. Mas, ontem, face à contestação interna em relação às suas ambições pessoais decidiu renunciar a ser o próximo responsável pela diplomacia alemã.
«Declaro a minha renúncia a entrar no Governo federal e, ao mesmo tempo, espero sinceramente que isso acabe com os debates pessoais dentro do SPD», afirmou Schulz.
Na sua declaração, o líder do SPD sublinhou que a sua decisão visava acabar com a contestação interna que ameaçava deitar por terra o acordo que tinha acertado com a CDU e a CSU na quarta-feira. «Todos nós criamos políticas para as pessoas deste país. Isto inclui que as minhas ambições pessoais devem ser postas de lado face aos interesses do partido», disse. Os militantes do SPD deverão votar o acordo por correio, entre 20 de fevereiro e 2 de março, com resultado divulgado a 4 de março.
«Sublinhei sempre que, se entrássemos numa coligação, só o faríamos se as nossas exigências sociais-democratas para a educação, saúde, pensões, trabalho e impostos fizessem parte do acordo. Tenho orgulho de dizer que é esse o caso», garantiu Schulz. «Em especial, a reorientação da política europeia é um grande sucesso», afirmou.
Schulz, um pró-europeísta convicto que deixou a presidência do Parlamento Europeu para tentar chegar à liderança do governo na Alemanha, obteve um resultado eleitoral desalentador para as suas ambições pessoais e do seu partido. A 21 de setembro, o SPD obteve a pior prestação eleitoral do pós-guerra e, no rescaldo desse desastre, Schulz afirmou que os sociais-democratas precisavam de uma cura na oposição.
Com Angela Merkel sem alternativas ao SPD que não fossem governar em minoria ou convocar novas eleições, uma ala dos sociais-democratas viu na situação uma oportunidade para o partido fazer de osso duro de roer e negociar um acordo onde tivesse mais peso que o resultado das eleições deixaria antever.
Dois dos principais ministérios, Finanças e Negócios Estrangeiros para o SPD, e uma política europeia mais federalista e mais flexível em relação aos défices das economias do sul deveriam ser razões para júbilo num partido em queda de popularidade que vê Merkel dar-lhe a mão – ao fim de três mandatos e com a questão dos refugiados a roer-lhe a popularidade, a chanceler também não obteve o resultado que pretendia nas eleições de 24 de setembro. Com 33% dos votos, Merkel perdeu margem de manobra nas negociações, ao ficar sem possibilidade de governar com um partido pequeno (como aconteceu de 2009 a 2013 com o FDP).
Com o partido em queda nas sondagens, Merkel dispôs-se a abrir mão de muita coisa para alcançar um acordo. E tal foi a abertura da chanceler que a contestação dentro da CDU – que se tem mantido baixa devido à popularidade da líder – aumentou de tom e passou a ser assumida publicamente. É difícil engolir que o partido mais votado abdique de três dos principais ministérios do executivo – Finanças e Negócios Estrangeiros para o SPD; Administração Interna reforçada para o líder da CSU, Horst Seehofer.
Paul Ziemiak, líder da juventude da CDU/CSU, pediu mesmo a demissão de Merkel. «Temos de renovar o nosso conteúdo e as pessoas», disse ontem. «Queremos gente mais jovem, jovens políticos no governo e na liderança do partido, acrescentou.
Josef Joffe escrevia ontem no Politico que «Merkel cedeu alavancas fundamentais para comprar mais quatro anos no mais importante gabinete do país», entregando ao SPD o controlo do país. «É uma novidade na história da política eleitoral: os maiores derrotados acabam a ser os líderes de facto do Governo da Alemanha». O editorialista do Die Zeit alinhava assim com o que escrevia o Bild de quinta-feira: querendo ser «chanceler a qualquer preço», Merkel acabou a «dar de presente o Governo ao SPD».
Um SPD que, na sondagem de segunda-feira do INSA, surgia com apenas 17% das intenções de voto, 3,5 pontos percentuais abaixo desse péssimo resultado de setembro e apenas 2% à frente da extrema-direita da Alternativa para a Alemanha (Afd), a quem vai entregar quatro anos de liderança da oposição. Para a AfD, na primeira vez que um partido de extrema-direita consegue assento no Bundestag desde a II Guerra Mundial, a situação não poderia conjugar-se melhor.
Com Merkel obrigada a direcionar-se para o centro, por influência do peso do SPD (Olaf Scholz, presidente da Câmara de Hamburgo, é dado como certo na pasta das Finanças e a sua visão política é substancialmente diferente da de Wolfgang Schäuble, o poderoso ministro de Merkel que foi para presidente do parlamento alemão), o espaço à direita (que a chanceler perdeu em parte para a AfD nas eleições de setembro por causa da questão dos refugiados) fica mais livre para ser ocupado pelo partido que vai liderar a oposição. E os 12,6% conseguidos pela extrema-direita nas eleições poderão aumentar nestes quatro anos à custa da ala mais à direita da CDU (com o perigo maior para a CSU, cujos eleitores são substancialmente mais conservadores).