Os relatos divergem, mas numa coisa todos concordam: houve situações de tensão no sábado à tarde na ala E do Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Por volta das 16h de sábado, as visitas semanais começaram atrasadas e acabaram antes do habitual, revoltando os reclusos. Estes, segundo o diretor-geral dos Serviços Prisionais, Celso Manata, em declarações ao “Expresso”, “ficaram obviamente enervados, gritaram, bateram nas portas e juntaram-se no gradão [da Ala E], que acabou por ruir”.
No entanto, segundo Júlio Rebelo, presidente do Sindicato Independente da Guarda Prisional, em declarações à RTP 3, alguns reclusos “pegaram fogo a alguns itens da própria ala”, além de terem derrubado “o gradão de segurança da ala”. Versão distinta teve Jorge Alves, do Sindicato Nacional do Corpo de Guardas Prisionais, afirmando que “dado o número reduzido de guardas prisionais para controlo de segurança das visitas, estas apenas chegaram ao local de visita já muito próximo do fim, quando começa outra”. “Alguns reclusos só tiveram 15 minutos de visita”, acrescentou – situação que deu azo a “muita indignação” e ao derrubamento do gradão de segurança.
Perante a situação, o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) foi destacado para o local. Para Manata, o GISP, com sede em Monsanto, nunca teve de usar a força física, enquanto o sindicalista defende que a unidade de intervenção estava a “preparar-se para intervir” momentos antes de o estabelecimento retornar à normalidade.
Fonte oficial da Direção-Geral dos Serviços Prisionais disse ao i que o destacamento do GISP tem sido ativado nos últimos dias por uma questão de “persuasão e dissuasão” dos reclusos por os guardas prisionais se recusarem a fazer as horas que lhes são atribuídas entre as 16h e as 19h. Do outro lado, o sindicalista afirma que os profissionais se recusam a fazer apenas as horas extraordinárias, atribuindo estes problemas à falta de pessoal. Jorge Alves disse ao i que antes existiam seis turnos, mas agora o funcionamento se limita a quatro, mantendo-se apenas uma equipa entre as 16h e as 24h. “Ao contrário das propostas de horário do sindicato, que tinham em atenção o serviço, a Direção-Geral decidiu colocar 20 guardas das 16h às 24h, uma situação crítica no horário de visitas”, explicou – uma situação que tem levado os guardas do GISP ao local nesse período.
Os pedidos de contratação de mais guardas são uma velha reivindicação das organizações sindicais do setor.
Ontem à tarde, os 200 reclusos envolvidos nos distúrbios de sábado estiveram fechados nas respetivas celas e o GISP, unidade com 20 elementos, manteve-se de prevenção. Jorge Alves garantiu ao i que ontem a situava esteve calma no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Guerra aberta O descontentamento dos guardas prisionais não vem de agora. Basta lembrarmo-nos das manifestações em frente às escadarias da Assembleia da República.
Para Vítor Ilharco, secretário–geral da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso, o acontecimento deste sábado pode ser incluído na guerra aberta que tem havido entre os guardas prisionais e a Direção-Geral dos Serviços Prisionais, não esquecendo o governo. O dirigente acusou os guardas de “provocarem” os reclusos para ganharem força no confronto laboral.
“Os guardas prisionais, tendo razão ou não na luta, estão numa guerra aberta com a Direção-Geral dos Serviços Prisionais”, explica Ilharco, defendendo que os reclusos não podem ser apanhados no meio do conflito. Para o dirigente, os guardas prisionais estão “a fazer uma coisa absolutamente vergonhosa e ignóbil, que é provocarem reclusos, familiares e amigos que os visitam para que a Direção-Geral perceba que são necessários mais guardas”. E acrescentou: “Independentemente das razões, não podem fazer o que estão a fazer, que é criarem situações para os reclusos se revoltarem.”
Se começarem a acontecer motins, continua o dirigente, “é óbvio que a direção-geral vai ter de contratar mais guardas, aumentar os ordenados e os subsídios de risco”. Jorge Alves rejeita liminarmente esta acusação: “É lamentável que quem o diga se aproveite das nossas reivindicações para tentar atingir o corpo da guarda prisional.” O dirigente sindical considerou que em caso de motim “ninguém fica a ganhar” e que os guardas serão “obrigados a usar a força”, algo que, além de não lhes agradar, também os coloca em risco.
Na base do confronto laboral encontram-se questões de vencimento e de falta de pessoal, mas também um esquema montado pelos guardas prisionais, afirma Ilharco. “Os guardas mais novos pagavam aos mais velhos os fins de semana porque aproveitavam esses dias para fazerem serviços gratificados ou a discotecas e bares, ou o que fosse”, explicou.
Desta forma, os guardas conseguiam ganhar, nesses dias, uma verba superior à que receberiam se estivessem de turno nos estabelecimentos, pagando aos mais velhos. “Havia guardas que faziam 48 e 72 horas seguidas porque recebiam dos outros para as fazerem”, acrescentou – uma situação que, perante o cansaço dos guardas, levava a conflitos com os reclusos, o que culminou na proibição pela direção-geral dessa prática, para descontentamento de alguns guardas.
Para Alves, a acusação desse esquema não passa de uma “tontice”. “Os guardas podem ser taxistas e tudo o mais, mas não fazer segurança privada”, concorda o dirigente, mas acrescentando que essa foi uma proposta de alteração ao estatuto profissional, de 2014, que o seu sindicato defendeu. “Foi o próprio sindicato que na altura contribuiu para que no estatuto estivesse proibida a prática de serviços que colocassem em causa a função de guarda prisional, e a segurança noturna e privada poderá pôr em causa o nosso desempenho de funções”, assegura.