A passada semana testemunhou o regresso de movimentos extremados e impulsivos aos mercados financeiros, isto após um largo período de baixa volatilidade em grande parte fabricado pelos principais bancos centrais mundiais. É precisamente esse regime – artificial – que tem sido imposto nos mercados que está na origem de um acumular de novos excessos que criaram as condições para esta súbita sangria.
Em termos gerais, as oscilações dramáticas foram uma consequência do amontoar de investimento nas apostas bolsistas mais populares dos últimos meses. Esta concentração serve normalmente de prenúncio a inversões drásticas quando surge algum fator que possa alterar os pressupostos dessas apostas. O epicentro da tempestade foi sem dúvida o índice de volatilidade – VIX – e mais especificamente os produtos de investimento que permitem (permitiam?) obter retorno enquanto este se mantinha estável. O VIX, muitas vezes apelidado pela imprensa como ‘índice do medo’, mede o que se chama a volatilidade implícita – por outras palavras, o risco de oscilação esperado pelos intervenientes no mercado de opções. Ora sendo as opções já um instrumento derivado, e o índice VIX um derivado destes últimos, os instrumentos que replicam os movimentos do índice são para todos os efeitos um derivado de um derivado de um derivado… ou seja, um frankenstein financeiro ao dispor de todo o tipo de investidores, sejam eles profissionais ou não.
Uma dessas geringonças, apropriadamente batizada de XIV por replicar o inverso das variações do índice VIX, começou a semana como catalisador do pânico e acabou mortalmente atropelada pelo mesmo, pois após atingir uma vertiginosa variação diária de -80% (!) foi automaticamente acionada uma cláusula que determinou a terminação imediata do produto. Portanto bastou um simples movimento de reversão à média para que se gerasse uma debandada geral destas estratégias populares – um mercado complacente com anos de políticas de estímulo monetário voltou subitamente a descobrir que nestas situações as portas de saída não são suficientemente amplas para escoar toda a multidão. Este episódio serve como um sério aviso nesta fase madura do ciclo económico. As medidas de emergência praticadas pelas autoridades monetárias e regulatórias arriscam nesta fase – em que o crescimento já foi restabelecido – ser muito mais uma fonte de instabilidade do que o suporte estabilizador de outrora.
Uma década de estímulos gerou distorções de mercado cujo processo de correção poderá aumentar a frequência de episódios de volatilidade extrema daqui para a frente. Neste caso o foco ocorreu num ambiente económico extremamente benigno, resta pensar qual seria a magnitude da reação caso o pânico tivesse origem num real problema económico… Possivelmente o detalhe mais desconfortável será o de verificar que tudo isto ocorre precisamente numa altura em que os investidores de retalho – incitados pelas paupérrimas rentabilidades dos depósitos a prazo – são cada vez mais atraídos pela miragem de um mercado financeiro de ganhos fáceis.
*Gestor de portfolio multi-activo no BIG – Banco de Investimento Global