Uns foram obrigados a abandonar as suas terras em altitudes mais elevadas por causa do frio. Outros, especialmente nas zonas urbanas, passaram fome devido à destruição dos moinhos movidos a água, aos quais recorriam para moerem os cereais necessários para o pão. Alguns viram-se impedidos de levar a sua vida quotidiana devido à destruição de estradas e pontes. E muitos desses viram-se mesmo obrigados a migrar para outras terras. As causas? Cheias e avalanches.
Estas foram algumas das consequências da Little Ice Age (LIA) – conhecida, em português, como Pequena Idade do Gelo, o último grande evento frio do hemisfério norte –, trazidas a público este mês no artigo “The Little Ice Age in Iberian mountains” (“A Pequena Idade do Gelo nas montanhas da Península Ibérica”), publicado na revista científica Earth-Science Reviews.
Por que é que o artigo é importante? Porque, até agora, é o mais detalhado de sempre tanto quanto à intensidade como à duração do processo de arrefecimento que ocorreu entre 1300 e 1850 na Península Ibérica.
Mas não só. “Concluímos que as temperaturas eram, em média, aproximadamente 1° C mais baixas do que as registadas em 1850 e aproximadamente 2° C mais fria do que os valores que se verificam hoje”, diz ao i o paleoclimatólogo Armand Hernandez, investigador do Instituto Dom Luiz (IDL) da Faculdade de Ciências da Universidade Lisboa (FCUL) e um dos autores no estudo.
A investigação No artigo participaram 22 cientistas – um pormenor a partir do qual se pode inferir o nível de detalhe da publicação. Entre uma equipa marcadamente espanhola, há sangue português: o climatólogo Ricardo Trigo, também investigador no Instituto Dom Luiz.
O estudo traz à luz dados científicos, mas também socieconómicos. Mas como é que os investigadores conseguiram chegar a conclusões tão precisas? “Os resultados finais são muito impressionantes, mas o processo para os obter foi demorado e duro”, diz ao i Armand Hernandez. Marco Oliva, da Universidade de Barcelona, coordenou o trabalho. Contactou todos os autores e trocou várias ideias. Como fontes, usaram centenas de documentos, uns antigos, outros mais recentes, e recorreram a artigos já publicados.
“Todos concordamos que era uma ótima ideia fazer este tipo de estudo. Por isso, dividimos o trabalho de acordo com o nossa experiência, dando feedback às ideias do Marco. Depois, comparámos todos os resultados obtidos e começamos a escrever o artigo. Ainda assim, foi difícil lidar com cientistas de campos de estudo tão diferentes”, explica Hernandez, para quem os resultados obtidos são “excelentes”.
A diminuição da temperatura “As principais causas para estas diminuições da temperatura relacionam-se principalmente com erupções vulcânicas e reduções da irradiação solar”.
Esses fatores, explica Hernandez, “determinaram os modelos de circulação atmosférica dominantes sobre a Europa Ocidental e, consequentemente, da Península Ibérica”.
Como o artigo mostra, a Pequena Idade do Gelo provocou inúmeros impactos na sociedade, sentidos de forma diferente no campo e na cidade. “Em contextos rurais, e particularmente em regiões altas de montanha, as condições climáticas adversas eram geridas relativamente bem”, diz ao i o investigador catalão.
Já em ambientes urbanos, “impactos climáticos extremos impediam a população de trabalhar e tinham repercussões na disponibilidade de recursos”. E o problema, como elucida o investigador, era que a população da cidade tinha perdido o contacto com a vida no campo e não tinha habilidade para “obter recursos de contigência”.
Uma nova idade do gelo? O tema tem motivado diversos artigos na imprensa. Será que está próxima uma nova Idade do Gelo? “Sabemos que as mudanças na órbita e na inclinação da Terra são os principais responsáveis pela alteração no clima. Ambos os fatores afetam a quantidade luz solar que no verão chega ao hemisfério norte.” Quando essa quantidade diminui, o degelo é menor e os lençois de gelo começam a crescer.
Por sua vez, continua Hernandez, “a luz solar refletida para o Espaço aumenta, aumentando a tendência de arrefecimento”. Eventualmente, uma nova Idade do Gelo surge.
Atualmente, as alterações veirificadas tanto na órbita como na inclinação da Terra indicam que o planeta devia estar a arrefecer, mas não é isso que está a acontecer por vários motivos. Entre eles, explica o paleoclimatólogo, “o efeito de aquecimento do CO2 e de outros gases de efeito de estufa”, que é mais intenso do que o efeito dos fatores de ordem natural.
“Sem interferêcia humana, a órbita e a inclinação da Terra, a ligeira diminuição da luz solar desde a década de 1950 e a atividade vulcânica teriam levado a um arrefecimento global. Contudo, as temperaturas estão definitivamente a aumentar. Um regresso a uma Idade do Gelo parece muito improvável”.