Tudo começou com, passamos a redundância, um jogo entre dois amigos, numa Game Slam (evento de competição em que programadores se juntam para criarem jogos) de 48 horas. A brincadeira virou projeto que, desde aí, não mais parou.
E a coisa tornou-se séria quando, pelo meio, ganhou dos prémios reconhecidos na área: o da imprensa e o geral, da Playstation. Há duas semanas que este jogo de produção nacional já está à venda para consola e computador. Chama-se Strikers Edge e foi o resultado de quatro anos de trabalho da equipa da Fun Punch, composta por seis pessoas. «Foi apenas respirar e viver Strikers o tempo todo», resume Diogo Andrade, programador desde 1998. Segundo as mentes por detrás do projeto, o grande salto aconteceu quando o jogo ganhou os prémios da Playstation, abrindo-lhes as portas para o interesse das produtoras. «Uma semana depois estávamos no estrangeiro a promover o jogo e a conseguir o financiamento», diz Ricardo Flores, produtor desde 2004. No total, o jogo contou com um orçamento na ordem dos 130 mil euros, sendo que 50% partiu da própria equipa e o restante da editora francesa Playdius e do prémio Playstation. O produto final «acabou por ser um conjunto de escolhas baseadas na realidade», mas também uma «homenagem ao que nos fez começar a jogar»: os jogos indie arcade da década de 80 e 90, explica Andrade. Ao longo do desenvolvimento, a equipa apresentou as várias versões do projeto em feiras de videojogos, recebendo opiniões e sugestões dos jogadores. E o produto final é também a soma desses contributos.
A estratégia de um combate
Mas, afinal, do que se trata? O Strikers Edge é uma mistura entre o famoso jogo do mata e um de combate. No ecrã, os dois jogadores têm o seu próprio espaço, dividido por uma falésia ou rio, e tentam, à distância, acertar no adversário com flechas, lanças, etc, conforme a personagem com que estejam a jogar. A cada golpe, a vida da nossa personagem vai diminuindo até, próximo já da morte certa, o último projétil ficar em câmara lenta, permitindo-nos, caso sejamos rápidos, desviar e continuar o combate. À primeira vista, o jogo pode parecer muito simples, mas o jogador vai-se apercebendo da sua complexidade à medida que confronta outros adversários – ou até mesmo a inteligência artificial da consola ou computador –, obrigando-se a pensar previamente nas estratégias e táticas que poderá usar com as várias personagens.
Alguns jogadores são mais defensivos, enquanto outros são mais ofensivos, e há que perceber a forma como o adversário joga para o derrotar. Bem como usar as características da arena em que estamos a jogar, escondendo-nos atrás de rochas, por exemplo. «A capacidade de se adaptarem estratégias e de usar a personagem começa-se a notar cada vez mais com o tempo de jogo», explicou Andrade. Para o programador, é um jogo simples mas de difícil mestria, o que estimula intelectualmente os jogadores. A partir de certo momento, a rapidez dos dedos atinge o máximo e entra-se na estratégia e na capacidade de se antecipar as movimentações e ataques do adversário. Não bastam poucas horas para se ser bom jogador. É esse lado da mestria que cria emoção quando se está a jogar, principalmente quando se está com pouca vida e o slow motion e o zoom in surgem no ecrã que nem alertas.
À escolha do jogador estão oito personagens, cada uma com atributos de combate próprios e histórias que vamos explorando à medida que avançamos no jogo. Temos o ninja, o bárbaro, o cavaleiro, o espartano, a bruxa, o viking, a arqueira. «Criámos coisas únicas para cada personagem, não apenas os specials – como lhes chamamos –, mas também a história», disse Flores, acrescentando que toda a equipa deixou um pouco de si em cada uma das personagens, nem que sejam apenas as suas vozes. «Por algum motivo inconsciente acho que o vilão do espartano é um bocado parecido comigo», comenta, entre risos, Diogo Andrade. Já a capacidade de bloqueio de uma das personagens vem da utilização ‘abusiva’ de Flores como estratégia defensiva.
Reviver o indie
O Strikers Edge é um marco tanto na produção portuguesa de videojogos como no género dos jogos que se produzem. «O indie nunca teve tanto destaque e tanta gente interessada. Era um género que as pessoas pensavam que já não existia, mas agora há uma exposição maior», explica Andrade. Muitas vezes associa-se o indie a projetos de garagem ou na universidade, mas há iniciativas que têm orçamentos de milhões. «Ser indie é mais um espírito do que algo relacionado com orçamentos, ao contrário do que muita gente julga», afirma Ricardo Flores. Um estilo que esteve sempre presente desde o início do projeto, aliando a «mecânica simples, fácil de entender, divertida e, acima de tudo, super desafiante» ao estilo de pixel art que caracteriza o género.
Apesar de ter um modo história em que se joga sozinho, o jogo destaca-se pela sua componente online, em que até quatro jogadores se podem confrontar em batalhas que nos fazem suar. Universo que se alarga com a possibilidade de crossplay entre os jogadores da Playstation 4 e os do computador. «Incluímos um pequeno atraso nos jogadores de computador para não terem vantagem na rapidez de movimentos perante os da consola», admitiu Flores. Agora, é convidar os amigos para um pequeno serão em frente à televisão – made in Portugal.