Quero dizer ao parlamento porque não posso obter a certidão de casamento dos meus pais. É uma história complexa e traumática que não costumo partilhar.» Assim começava o discurso da deputada australiana Susan Lamb no parlamento, um discurso emocionado, quase sempre à beira das lágrimas e que visava explicar a razão pela qual se vê envolvida na polémica da dupla nacionalidade. Os deputados australianos só podem ser cidadãos da Austrália; Lamb, deputada trabalhista da oposição. tem também a cidadania britânica. No entanto, segundo ela, não é por querer, apenas porque a sua trágica histórica pessoal a coloca numa posição difícil para alterar a sua situação.
«Um dia, quando tinha seis anos, a minha mãe levou-me à escola e nunca mais voltou para me ir buscar. O meu pai tornou-se pai solteiro», prosseguiu Lamb. «Não sei o que se passava na vida da minha mãe na altura, não sei o que se passa na vida da minha mãe hoje. Não faço ideia», acrescentou a deputada, explicando que quando lhe perguntam porque não telefona à mãe, para resolver a situação, diz que não tem com ela qualquer relação e só a ideia lhe provoca emoções fortes. A memória do pai, falecido há quase 20 anos, esteve sempre presente no discurso.
Nascida em 1972 em Mackay, no estado de Queensland, no nordeste da Austrália, foi eleita deputada por Longman, no mesmo estado, em 2016. Antes de assumir o seu lugar no parlamento, Lamb tentou abdicar da sua nacionalidade britânica, sem sucesso. A burocracia do Reino Unido exigiu-lhe que entregasse o seu passaporte britânico, que nunca teve, ou a certidão de casamento dos pais, que não consegue, para a deixar abdicar da nacionalidade. Sem esses documentos, as autoridades britânicas não estão convencidas de que ela seja mesmo britânica para poder abdicar da sua cidadania.
«Esta não é uma história para obter a vossa simpatia. Carrego comigo dor, desapontamento. É justo dizer que, provavelmente, ainda carrego uma certa raiva. Esta história pretende é explicar da maneira mais simples que posso que esse outro documento requerido pela Administração Interna britânica, depois de receberem a minha renúncia [à cidadania], a certidão de casamento dos meus pais, disseram-me que não a posso obter legalmente», acrescentou a deputada.
A história pode ter comovido muita gente, mas não o governo australiano, que enviou um ultimato a Bill Shorten, o líder da oposição, para que este force Lamb a demitir-se, depois de a constitucionalista Anne Twomey ter determinado que a deputada continua a ser britânica. Caso contrário, a coligação de governo usará a sua maioria na Câmara dos Representantes para votar, no regresso aos trabalhos no próximo mês, que o seu caso seja levado ao Supremo Tribunal.
O caso está já no domínio das interpretações constitucionais, pois George Williams, outro especialista na matéria, considera que a situação de Susan Lamb é simples. Para lhe retirarem a cidadania, «tem de ficar claro que ela é cidadã britânica e que não deu os passos considerados razoáveis para renunciar a essa cidadania», disse, citado pelo «The Australian». Adrian Barry, advogado britânico, citado pelo mesmo jornal, partilha da mesma opinião: a deputada cumpriu o necessário para renunciar à sua cidadania ao preencher o formulário e enviá-lo para a Administração Interna britânica.
Quando terminou o seu discurso, Susan Lamb não conseguiu evitar as lágrimas que conseguira aguentar durante o tempo que falou. Houve quem lhe estendesse a mão, quem a abraçasse, quem lhe deixasse uma palavra de conforto. Não assim na bancada do governo, que voltou a insistir que a Lamb só lhe resta fazer o mesmo que o seu antecessor na bancada, David Feeney, cuja demissão, por não conseguir demonstrar ser apenas australiano, levou à eleição intercalar que deu a vitória a Susan Lamb.