Desde que a antiga diretora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Cândida Almeida, começou a ser ouvida, na passada quinta-feira, foram várias as contradições que surgiram em relação às teses apresentadas por dois dos arguidos do caso Fizz – Orlando Figueira, antigo procurador, e Paulo Blanco, advogado que representou o Estado angolano.
Houve três divergências que se evidenciaram e que levaram hoje o coletivo de juízes a aceitar que fosse feita uma acareação – confrontação das versões – depois de a mesma ter sido proposta pela defesa de Orlando Figueira, suspeito de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente angolano Manuel Vicente.
A primeira discordância foi sobre o número de reuniões em Lisboa em que estiveram presentes o Procurador-Geral da República de Angola, João Maria de Sousa, a antiga diretora do DCIAP, Orlando Figueira e Paulo Blanco. Estes dois últimos, arguidos no caso Fizz, defenderam sempre que foram vários os encontros, enquanto que Cândida Almeida disse apenas lembrar-se de um.
Outro tema que tem mais do que uma versão é o dossiê que Orlando Figueira levou para Angola em 2011, numa viagem cujo objetivo era participar nas comemorações da semana da legalidade. Os arguidos dizem que o memorando ou dossiê com informações de processos que corriam em Portugal e visavam a elite angolana foi levado a pedido da então diretora do DCIAP. Mas Cândida Almeida garante que não deu ordem para que Orlando Figueira levasse documentos, adiantando: “Agora se levou ou não, não sei”.
O último ponto foi o facto de o inquérito que visava Manuel Vicente pela compra de um apartamento no Estoril Sol poder ter sido considerado pelo DCIAP um assunto de Estado. A antiga diretora do DCIAP assegura que não.
Esta tarde, o coletivo de juízes acabou por aceitar a acareação, mesmo com a oposição do Ministério Público.
Orlando Figueira levantou-se para dizer o que sempre disse em tribunal e apelando à memória da sua antiga diretora – o que levou mesmo o juiz presidente Alfredo Costa a repreender o antigo procurador. Depois foi a vez de Paulo Blanco reafirmar tudo o que tem dito.
Quando chegou a altura de Cândida Almeida, a antiga diretora do DCIAP foi perentória: “Mantenho as minhas declarações integralmente e sem tirar uma vírgula”.
A conversa prévia com os procuradores
A procuradora do DCIAP voltou a dizer ainda que apesar de analisar os despachos de arquivamento, para dar o seu despacho de adesão ao arquivamento, muitas vezes havia uma conversa prévia ao arquivamento com os procuradores. Ou seja, deixou claro que os magistrados muitas vezes já sabiam qual o sentido da sua decisão, isto caso seguissem o que havia sido conversado antes.
A defesa tem defendido que seria impossível Orlando Figueira fazer um acordo com Manuel Vicente para arquivar os processos referidos pela acusação a troco de contrapartidas, dado que a última palavra cabia a Cândida Almeida.
O dossiê extraviado que afinal não o foi
Na última sessão a antiga procuradora do DCIAP tinha dito que o seu dossiê de acompanhamento da investigação ao apartamento de Manuel Vicente no Estoril Sol teria sido extraviado na sequência da mudança de instalações daquele departamento, em 2015.
Logo após as suas declarações, o Ministério Público juntou um requerimento ao processo – assinado pelo procurador coordenador José Góis – no qual se referia que a antiga diretora do DCIAP tinha por certo cometido um lapso, uma vez que o dossiê não tinha desaparecido.
Hoje, Cândida Almeida esclareceu que caso tenha cometido um erro, foi com base em informações que recebeu de uma das procuradoras que conduziram a Operação Fizz.
“A doutora Inês Bonina é que me disse que o dossiê de acompanhamento se teria extraviado”, concluiu.