O problema são as armas de fogo e não a loucura. Gene Berensin, que dirige o Centro para Jovens Mentes Saudáveis do Hospital Geral de Massachusetts, diz que «um em cada quatro indivíduos» nos Estados Unidos «terá uma desordem psiquiátrica em algum momento da sua vida e 50% deles começa a mostrar sinais disso antes dos 14 anos» e a ciência procura encontrar formas de diagnosticar e tratar esses problemas. Só que aqui, nestas questões de massacres em escolas, jovens atiradores solitários que se vingam de humilhações, que aplicam na vida real comportamentos dos jogos de first-person shooter (FPS) como Counter-Strike ou Call of Duty, a saúde mental não é a culpada, diz o médico, em declarações ao Boston Herald.
«Não se pode equiparar doenças mentais com comportamento violento. O que está aqui em causa não é a saúde mental, são as armas de fogo. Possuir armas de fogo é um direito de acordo com a Segunda Emenda e deve ser mantido. Só que não estamos a prestar atenção à legislação sobre o acesso e uso de armas», explica o especialista.
Nikolas Cruz, que matou 17 pessoas e feriu 23, na quarta-feira numa escola de Parkman, na Florida vivia obcecado por armas e o seu comportamento deveria ter feito soar alarmes. E não por mostrar sinais de perturbação (escreveu num comentário a um massacre em Nova Iorque, no verão passado, que se fosse ele fazia muito melhor), mas sim pelo arsenal que dizia possuir em casa. Como é que um adolescente consegue acesso às armas com que posava nas redes sociais?
Em quase seis minutos e meio de declaração a propósito do massacre, Donald Trump não fez referência em nenhum momento ao uso de armas e à possibilidade de rever os processos que tornam tão fácil a aquisição de um arsenal de guerra por parte de um adolescente. Entre o habitual encómio dos heróis, os pêsames às famílias, as orações pelas vítimas, fica a sensação de que é mais do mesmo, tantos são os massacres (ver texto ao lado) e tão pouco se faz para os evitar.
«Quantos meses passaram – o tiroteio de Las Vegas, o pior tiroteio na história do nosso país, aconteceu a 1 de outubro. E aquilo que conseguimos dos membros do Congresso e da Casa Branca foram pensamentos e orações», afirmou Mark Kelly, marido da congressista Gabby Giffords, gravemente ferida numa tentativa de assassinato em 2011, que criou uma fundação para lutar contra as armas.
O poder de lóbi da National Rifle Association (NRA), a mais antiga organização de direitos civis em funcionamento nos EUA, continua a fazer-se sentir, sempre que um tiroteio em grande escala deixa perceber como é fácil arranjar uma arma no país.
No estado do Alabama, qualquer um pode entrar numa loja e sair de lá com uma espingarda semiautomática debaixo do braço. Nem sequer é preciso licença. Só se exige um documento de identificação que ateste ser maior de 21 anos. Se for uma espingarda, basta ter 18 anos.
Não é só assim no Alabama, em 36 estados dos EUA basta meia hora para comprar uma pistola. Na Florida, onde ocorreu o massacre de quarta-feira, é preciso esperar três a cinco dias entre comprar e levar. Nikolas Cruz comprou a AR-15, usada no massacre na que tinha sido a sua escola, num armeiro de Broward County de maneira perfeitamente legal, dizem as autoridades locais.
O mais curioso é que, sempre que acontece um tiroteio em larga escala nos Estados Unidos, a cotação das ações dos fabricantes de armas sobem. No que, à partida, parece um contrassenso e porém só representa essa ideia que a NRA sempre defendeu e continua a defender – bem como os muitos políticos que beneficiam do seu apoio financeiro para conseguirem chegar ao Congresso. E face a um ataque destes, muitos americanos saem a comprar armas para se protegerem da violência.
Outros há que resolvem adquirir armas, pensando que haverá alguma mudança na legislação que torne mais difícil consegui-las ou que pura e simplesmente as proíba de vez. Algo que, pura e simplesmente, parece muito longe de vir a acontecer.