O ministro dos Negócios Estrangeiros considera que o populismo e a desinformação são hoje duas grandes ameaças aos governos, aos partidos e às competições eleitorais, mas também à universidade e ao jornalismo. Num longo artigo publicado ontem no jornal brasileiro “Folha de São Paulo”, Augusto Santos Silva defende que a culpa do surgimento destes fenómenos também é dos “intelectuais”.
“Antielitista, o populismo combate as lideranças políticas e intelectuais, a quem acusa de distância e traição em relação aos anseios e sentimentos dos ‘de baixo’. Antipluralista, rejeita a diversidade de interesses e opiniões, desqualifica os partidos e as instituições parlamentares e nega o direito à diferença e à dissidência. Moralista, arroga-se o estatuto de representante genuíno e único de um ‘verdadeiro povo’ que ele próprio define, dele excluindo o que lhe pareça contrário e desqualificando-o como falso ou estrangeiro”, afirma o governante, lembrando que por outro lado as fake news se caracteriza por pôs em causa três distinções fundamentais do jornalismo: “a informação da propaganda”, “a notícia” do “boato” e os “factos” das “opiniões”.
“A desinformação abomina estas distinções porque o seu propósito é militante, o seu fim é a inculcação de preconceitos e estereótipos e as suas armas são o recurso à psicologia de massas, a relação emocional com os destinatários e a ilusão de que essa relação não precisa de mediação nem de mediadores. Por isso mesmo, a desinformação e o populismo alimentam-se um do outro, e ambos representam enorme perigo para a vida pública democrática”, refere.
Mas os intelectuais, como lhes chama, não são alheios a tudo isto. Parte da culpa é deles, segundo Santos Silva: “Vários desempenhos negativos desse papel justificaram o ceticismo sobre seus méritos. Não é possível, portanto, fazer a crítica do anti-intelectualismo populista sem identificar as responsabilidades próprias dos intelectuais”.
A esse propósito destacou algumas causas: “a arrogância”, “a traição”, “a autossatisfação” e “descumprimento ostensivo da deontologia profissional”. E neste último foi particularmente crítico do jornalismo e do meio universitário: “O que tem sido particularmente evidente e grave no jornalismo, onde todos os dias se repetem infrações descaradas a regras básicas de ética e deontologia, como a separação entre fatos e opiniões, o respeito pela intimidade e a vida privada, a obrigação do contraditório ou o dever de prova. Mas também acontece, infelizmente, no próprio meio universitário, onde se sucedem os casos de desleixo ou desprezo pelas regras de método e a confusão entre substância científica e retórica comunicacional”.
A terminar, explica que “as redes sociais constituem um caldo de cultura muito favorável à germinação e à difusão das atitudes e mobilizações populistas, antielitistas e antipluralistas”, mas lembra que ninguém deve ignorá-las ou agir como se a internet não fosse real.
“Não para subordinarmos à sua lógica hegemónica a função própria dos intelectuais no espaço público, mas para mobilizar todo o enorme poder de capacitação crítica que essa função transporta, para revigorar a cidadania e preservar a democracia”, continua.
A concluir deixa claro que, em sua opinião, os intelectuais só poderão ser substituídos pelas redes sociais “se renunciarem à sua dupla responsabilidade: de conhecer e de agir”.