O antigo presidente da comissão executiva do Banco Privado Atlântico Europa e vice-presidente do banco foi ouvido ontem no julgamento do caso Fizz e desmentiu o arguido Paulo Blanco – que durante anos representou o Estado angolano em inquéritos do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP). Perante o coletivo, André Navarro admitiu ter uma boa relação com o banqueiro Carlos Silva, mas negou qualquer indicação dada por este em relação a Orlando Figueira, fosse para autorizar o empréstimo de 130 mil euros com poucas garantias, fosse em relação à saída do ex-procurador do Ministério Público para a empresa Primagest.
Em causa neste julgamento está um alegado esquema de corrupção no âmbito do qual, segundo a acusação, o antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente pagou ao ex-procurador Orlando Figueira 760 mil euros para ver arquivadas investigações que o visavam. Para tal, diz o MP, houve dois intermediários: Paulo Blanco e Armindo Pires, homem de confiança de Vicente.
Mas a reviravolta que o caso conheceu desde o final do ano passado trouxe para cena o banqueiro Carlos Silva (ver texto ao lado), uma vez que tanto Figueira como Blanco dizem ter sido ele o homem que contratou o antigo magistrado para a sociedade Primagest e que por isso lhe pagou milhares de euros.
Os arguidos têm reiterado que Manuel Vicente é alheio a tudo o que aconteceu e que a saída de Orlando Figueira se deveu à insatisfação com o seu salário baixo no DCIAP. Paulo Blanco foi mais longe a apontar o dedo a Carlos Silva, que disse mesmo ter tido a indicação por parte de André Navarro de que Figueira nunca iria para Angola trabalhar (promessa inicial nunca concretizada) enquanto no DCIAP estivesse em curso uma investigação contra Carlos Silva.
Navarro desmente Blanco A versão foi ontem desmentida pelo ex-presidente da comissão executiva do BPA Europa: “Nunca disse isso […] A razão pela qual o dr. Paulo Blanco conta essa história, não sei, mas nunca tive qualquer problema com o dr. Paulo Blanco, nem o banco.”
O antigo advogado do Estado angolano voltou, no entanto, a reafirmar aos jornalistas a sua versão à saída do tribunal, dizendo que os documentos lhe darão razão.
Navarro não sabe o que é a sigla PCA Confrontado durante a sessão de julgamento com um documento interno em que se frisava que Orlando Figueira “tratava com o PCA”, André Navarro disse não conseguir garantir o que significava tal sigla – uma resposta que irritou particularmente a defesa de Paulo Blanco, que deixou claro não ver outra correspondência com “PCA” que não seja a “presidente do conselho de administração”, cargo que ocupa Carlos Silva.
Quanto à abertura de uma conta para Orlando Figueira no BPA, Navarro disse que Blanco lhe pediu para receber o procurador uma vez que este queria abrir uma conta. A testemunha disse, no entanto, que nesse momento não lhe foi referida qualquer intenção de contrair um empréstimo.
Em causa está um crédito de 130 mil euros que o magistrado viria a pedir e para o qual não deu garantias, tendo apenas domiciliado uma carteira de títulos e aberto uma conta de 40 mil euros no mesmo banco.
A procuradora Leonor Machado ainda usou a ironia para questionar André Navarro sobre o assunto: “Como sabe, a banca não joga com a idoneidade das pessoas, joga com o dinheiro que têm…” – um reparo completado pelo coletivo, que questionou o responsável sobre se tal crédito era usual. André Navarro respondeu que “os contratos são sempre adaptados a cada cliente”.
O que disse o gestor de conta de Figueira “Qualquer magistrado que chegue ao Banco Privado Atlântico e peça um empréstimo sem dar garantias, o banco defere?” A pergunta foi feita ontem ao início da tarde pelo coletivo a um outro responsável do banco. Vítor Barosa, ouvido antes de André Navarro, foi gestor de conta do antigo procurador Orlando Figueira.
Referindo nunca ter visto ou sentido qualquer tratamento de favor, Barosa afirmou que o facto de ser magistrado “aumenta as probabilidades face a um funcionário de outra área”.
O que o gestor bancário não conseguiu explicar ontem, na 15.a sessão de julgamento, foi o facto de o banco ter ficado sem possibilidade de agir caso Orlando Figueira não cumprisse as suas obrigações, isto por não terem sido dadas garantias. “Não havia uma consequência direta imediata”, admitiu perante o coletivo, referindo que “a consequência era falar com o cliente.”
Barosa, que já tinha começado a ser ouvido na última quinta-feira, lembrou ainda que Orlando Figueira ponderava vender a sua casa, sobre a qual já recaíam duas hipotecas, e que, se isso acontecesse, o “normal era que o cliente liquidasse o empréstimo”. Disse que seria o “normal”, uma vez que “juridicamente” nada poderia acontecer se não o fizesse.
“É normal fazerem contratos destes?”, insistiu o juiz presidente do coletivo, Alfredo Costa, por mais de uma vez, ouvindo quase sempre respostas pouco seguras como: “Podemos fazer.”
Questionada pelos juízes, a testemunha garantiu que nunca teria proposto este crédito se se tratasse de um pagamento – a acusação defende que se trata de um falso empréstimo para camuflar a primeira tranche das luvas que, no total, serão de 760 mil euros.
Sobre o facto de o número da conta de Orlando Figueira no BPA nunca ter sido comunicado ao Banco de Portugal, justificou que se tratou de um problema informático.