O administrador do BCP Iglésias Soares admitiu hoje em julgamento que foi o banqueiro Carlos Silva a sugerir que, em 2015, o antigo procurador Orlando Figueira falasse com o advogado Daniel Proença de Carvalho para resolver os problemas que estava a ter na execução do contrato de trabalho com a Primagest. Soares disse, porém, não ter percebido se o contrato era com uma empresa da esfera de Carlos Silva – presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millenium BCP.
A testemunha começou por esclarecer o tribunal que conheceu Orlando Figueira, quando este entrou para o departamento de compliance do banco, no final de 2012. Isto, porque um dos pelouros que tinha enquanto administrador era exatamente o do compliance.
Sobre umas anotações apreendidas nas buscas de que era preciso colocar Figueira num espaço mais reservado explicou: “O doutor Orlando Figueira entra para a empresa, depois foi operador e tinha dores de cabeça e dificuldades de concentração. Tivemos de colocá-lo numa secretária mais à parte. Mas sempre em Open Space”.
Adiantando que Figueira “tinha uma forma de ver as coisas diferentes e tinha algumas dificuldades”, assegurou lembrar-se de que logo em 2014 o antigo procurador o procurou a queixar-se que tinha valores para receber de Angola, mas sem pormenorizar.
“Disse-me que tinha pagamentos a receber via BPA Angola. Eu disse-lhe que conhecia o doutor Paulo Marques [do BPA Angola]. Eu não fiquei com ideia que era relativo a qualquer contrato de trabalho”, disse, concluindo que mais tarde Paulo Marques acabou por vir a Lisboa e reunir-se com Orlando Figueira.
Segundo os arguido já defenderam, era aliás Paulo Marques que o antigo magistrado iria substituir naquele banco se tudo o que alegadamente fora acordado com Carlos Silva fosse cumprido. A verdade é que o contrato de trabalho de Orlando Figueira acabou por ser celebrado com a sociedade Primagest, tendo o arguido também sido contratado para o compliance do BCP.
O recado de Carlos Silva para o procurador
“É em Janeiro de 2015 que pela primeira vez o doutor Orlando Figueira me fala do doutor Carlos Silva”, contou hoje perante o coletivo o administrador do BCP, acrescentando que nas mãos o antigo procurador levava “um contrato”: “Não vi com quem era. Estava a colocar-me aquele tema porque o doutor Paulo Marques tinha tido um AVC e aí invocou o nome do doutor Carlos Silva. Disse que tinha um contrato com os angolanos e invocou o nome de Carlos Silva”.
Na sequência de tal reunião, Orlando Figueira terá pedido então que Iglésias Soares entrasse em contacto com o banqueiro luso-angolano, para ver se era possível agilizar a resolução da sua situação. Ainda que não fosse um assunto importante, Soares admite que falou com Carlos Silva assim que teve oportunidade.
“Falei com o doutor Carlos Silva e disse-lhe o doutor Orlando Figueira estava com pagamentos em atraso e que tinha um contrato com angolanos”, afirmou, referindo não ter ficado com a ideia quem eram tais angolanos.
Segundo esclareceu em tribunal, o banqueiro respondeu-lhe: “Vou ver o que se passa e depois digo-lhe qualquer coisa”.
E assim foi. “Mais tarde Carlos Silva não trouxe nada de concreto e disse falasse com um advogado, sugerindo o nome do doutor Proença de Carvalho”, referiu.
Daniel Proença de Carvalho é advogado de Carlos Silva e esta informação acaba por confirmar o que os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco têm dito sobre a centralidade de Carlos Silva neste caso e sobre intervenção do conhecido advogado português.
Questionada pela procuradora Leonor Machado, a testemunha admitiu conhecer Carlos Silva, Proença de Carvalho e Manuel Vicente, com quem esteve duas ou três vezes no âmbito do Conselho de Supervisão do BCP.
Orlando Figueira na prateleira
Iglésias Soares disse ainda que a saída do antigo procurador do compliance do BCP para o ActivoBank, em 2015, surgiu após suspeitas de que Orlando Figueira passava a terceiros informações sigilosas das instituição bancária.
Uma tese que aliás é defendida pela acusação, mas que sempre foi negada por Orlando Figueira.
“Em Maio desse ano surgiram suspeitas de fugas de informação confidencial e houve uma nota de desconforto em relação ao doutor Orlando Figueira, porque tinha acesso aos dossiês. Mas poderia não ser ele. Mais tarde o doutor Miguel Maya [gestor do banco] veio dizer-me que tinha certezas disso, mas não foram apresentadas evidências e por isso não confrontámos o doutor Orlando Figueira com isso”, disse adiantando que puseram em marcha um plano com vista ao seu afastamento.
“Como se estava no processo de venda do Activobank, decidiu-se transferir para aquele banco o doutor Orlando Figueira. Por dois motivos, para que o banco passasse a ter departamento jurídico e para que com a sua venda, Orlando Figueira saísse do perímetro do BCP”, concluiu reiterando que o antigo magistrado nunca foi confrontado com tal situação.
Iglésias Soares diz que não foi informador de Figueira
Orlando Figueira admitiu em julgamento que o administrador do BCP foi quem o informou de que estava a ser investigado, uma informação que foi “um murro no estômago”. Iglésias Soares disse hoje em tribunal ter sabido antes da investigação, mas garantiu que nunca passou tal informação a Orlando Figueira.
Levantamento do sigilo de Proença de Carvalho
No início da sessão de hoje do julgamento ficou a saber-se que a Ordem dos Advogados já decidiu o levantamento do sigilo profissional de Daniel Proença de Carvalho. O advogado fez o pedido depois de o seu nome ter sido referido pelos arguidos e terem sido até divulgadas notícias dando conta de encontros entre o advogado e Orlando Figueira.