O administrador do BCP Iglésias Soares admitiu ontem que em 2015 transmitiu ao antigo procurador Orlando Figueira um recado do banqueiro Carlos Silva: Era melhor falar com um advogado, sugerindo que ligasse para Daniel Proença de Carvalho.
Documentação a que o i teve acesso e que já constará do processo, revela que a partir dessa conversa foram várias as vezes em que Orlando Figueira ligou para Daniel Proença de Carvalho tanto para um telemóvel do escritório, como para um número fixo que, apesar de não ser o que consta no site do escritório Uría Menéndez e Proença de Carvalho surge em outras páginas associado ao mesmo. Entre chamadas feitas e recebidas contam-se cerca de 3 dezenas, nem todas terão, porém, sido completadas dada a sua duração ser muito curta.
Estes registos telefónicos de todas as chamadas de Figueira (entre 17 de fevereiro de 2015 e 17 de fevereiro de 2016) foram pedidos pela investigação à operadora móvel e reforçam as anotações pessoais do procurador, apreendidas no seu telemóvel, e que dão conta de 10 supostos encontros (entre 5 de maio de 2015 e 14 de setembro de 2017) com Proença de Carvalho – advogado de Carlos Silva, presidente do Banco Privado Atlântico e vice-presidente do Millenium BCP.
O tribunal já notificou a operadora móvel para que sejam enviados os registos telefónicos relativos a um período mais alargado.
As chamadas antes de ser alvo de buscas
Segundo os dados que os investigadores do DCIAP reuniram, Orlando Figueira contactou a 27 de abril de 2015 o número fixo do escritório de Proença de Carvalho, tendo a conversa durado pouco mais de dois minutos – a ligação foi registada numa antena do Tagus Park, Oeiras, onde são as instalações do Millenium BCP em que trabalhava Figueira depois de sair do DCIAP.
No mês seguinte, no dia 4, surge um novo contacto, desta vez do telemóvel associado ao escritório do advogado para o antigo procurador. Na agenda do telemóvel de Figueira, consta a marcação de um encontro com Proença para o dia seguinte.
A 19 de maio são várias as tentativas de contacto para o telemóvel do escritório Uría Menéndez, até que Orlando Figueira liga para o fixo e a duração da ligação não chega a um minuto. A chamada foi feita perto das 13h na Rua Andrade Corvo e, cruzando esta informação com a agenda telemóvel do ex-procurador, noticiada esta semana pela “TVI”, verifica-se que estava marcado um dos encontros para as 16h desse dia.
A 25, 27 e 28 de maio são feitas e recebidas por Orlando Figueira várias chamadas para o telemóvel do escritório do advogado. Também nestes dias, tendo em conta a agenda apreendida, houve duas reuniões.
A 29 de maio, segundo os registos, Orlando Figueira volta a ligar para o número fixo associado ao escritório de Daniel Proença de Carvalho, tendo a ligação uma duração de mais de três minutos. Desta vez, o procurador estaria na marginal de Paço de Arcos. Também se verifica neste dia uma chamada do número de telemóvel da Uría Menéndez para Orlando Figueira, mas mais curta.
A partir daqui há registos de ligações dos dois lados: a 11, 16 e 24 de junho, bem como a 27 e 29 de julho. Uma das últimas chamadas foi feita a 25 de novembro de 2015 por Orlando Figueira para o número fixo, estava no Tagus Park e a conversa durou perto de um minuto e meio. A 30 de novembro há um outro registo, desta vez uma chamada do número móvel do escritório do advogado para o ex-magistrado.
A escuta e o encontro já preso
Logo após estas chamadas, que o i agora revela, foi feita uma outra, a 23 de fevereiro de 2016, ou seja, no dia em que Orlando Figueira foi detido. A escuta dessa chamada, noticiada pelo “Sol”, mostra o antigo procurador a pedir a colaboração do advogado. Proença respondeu que poderia ser mais útil se não fosse seu advogado.
Após isso, Figueira viria a encontrar-se com Daniel Proença de Carvalho, que acusa de o ter tentado silenciar pagando-lhe a defesa do advogado Paulo Sá e Cunha e prometendo um trabalho futuro. A última reunião onde também estava Sá e Cunha, que consta nas notas pessoais e que a “Visão” já tinha noticiado, foi em setembro do ano passado. A partir daí, Orlando Figueira disse ter querido afastar-se do tal “acordo de cavalheiros” e contar a verdade. Uma tese que, segundo disse em julgamento, não envolve o ex-vice-presidente de Angola (acusado no caso Fizz de o ter corrompido para arquivar investigações que o visavam), mas sim o banqueiro Carlos Silva e Daniel Proença de Carvalho.
Carlos Silva é central por ter sido, segundo a tese de Figueira, o único responsável pela sua saída do DCIAP para o setor privado, Proença de Carvalho pela sua alegada intervenção e condicionamento da defesa, pedindo que não falasse no nome de Carlos Silva, no do próprio Proença de Carvalho, nem na conta que Orlando Figueira abrira em Andorra para receber dinheiro de Angola.
A acusação do MP defende, porém, que Figueira foi corrompido por Manuel Vicente, com a intermediação do advogado Paulo Blanco, que representou o Estado angolano em vários inquéritos, e de Armindo Pires, homem de confiança de Vicente.
O i tentou ontem ao final da tarde, sem sucesso, contactar Daniel Proença de Carvalho. Sobre o encontro de setembro do ano passado, o advogado desmentiu à “Visão” tal informação. Na sessão de ontem do julgamento ficou a saber-se que que a Ordem dos Advogados já decidiu o levantamento do sigilo profissional, pedida pelo advogado.
O que disse Iglésias Soares
O administrador do Millenium BCP foi ontem ouvido como testemunha pelo tribunal, tendo assegurado lembrar-se de que em 2014 o antigo magistrado (que já estava a trabalhar no compliance do banco) o procurou a queixar-se que tinha valores para receber de Angola, mas sem pormenorizar.
“Disse-me que tinha pagamentos a receber via BPA Angola. Eu disse-lhe que conhecia o doutor Paulo Marques [do BPA Angola]. Não fiquei com ideia que era relativo a qualquer contrato de trabalho”, disse, concluindo que mais tarde Paulo Marques acabou por vir a Lisboa e reunir-se com Orlando Figueira.
“É em Janeiro de 2015 que pela primeira vez o doutor Orlando Figueira me fala do doutor Carlos Silva”, contou ontem perante o coletivo o administrador do BCP, acrescentando que nas mãos o antigo procurador levava “um contrato”: “Não vi com quem era. Estava a colocar-me aquele tema porque o dr. Paulo Marques tinha tido um AVC e aí invocou o nome do dr Carlos Silva. Disse que tinha um contrato com os angolanos e invocou o nome de Carlos Silva”.
Na sequência de tal reunião, Orlando Figueira terá pedido então que Iglésias Soares entrasse em contacto com o banqueiro luso-angolano, para ver se era possível agilizar a resolução da sua situação. Ainda que não fosse um assunto importante, Soares admite que falou com Carlos Silva assim que teve oportunidade.
“Falei com o doutor Carlos Silva e disse-lhe o doutor Orlando Figueira estava com pagamentos em atraso e que tinha um contrato com angolanos”, afirmou, referindo não ter ficado com a ideia quem eram tais angolanos.
Segundo esclareceu em tribunal, o banqueiro respondeu-lhe: “Vou ver o que se passa e depois digo-lhe qualquer coisa”.
E assim foi. “Mais tarde Carlos Silva não trouxe nada de concreto e disse falasse com um advogado, sugerindo o nome do doutor Proença de Carvalho”, referiu.
Diz que não foi informador
Orlando Figueira admitiu em julgamento que o administrador do BCP foi quem o informou de que estava a ser investigado, uma informação que definiu, aliás, como “um murro no estômago”.
Ontem, perante o coletivo, Iglésias Soares admitiu ter sabido antes da investigação antes de a mesma ser pública, mas garantiu que nunca passou qualquer informação ao antigo magistrado do DCIAP.