A conversa fluía, protelando a entrevista além dos tópicos anotados. Mais rodados nas habituais rondas de promoção do que no contacto direto com a massa crítica, o tema salta para a mesa. O teclista Daniel Lima avisa: “abriu-se a caixa de Pandora”. Trocam-se olhares cúmplices. Há quem contenha a respiração. O assunto incomoda e não é negligenciado. De facto, os HMB têm quase tudo o que uma banda pode desejar: público, tempo de antena radiofónico, canções que o país sabe de cor como “O Amor é Assim” e concertos de norte a sul. Longevidade, reconhecimento popular e dos pares. Mas massa crítica pouca. “O assunto incomoda mais umas pessoas do que outras”, adverte o baixista Joel Xis (de Xavier). Mas é falado em viagens de carrinha, enquanto se abrem notícias no telemóvel e se folheiam revistas. O baterista Joel Silva pega nas baquetas e marca o ritmo. “Meteram-nos num saco que nunca percebemos bem porquê. O nosso defeito foi termos chegado a mais pessoas do que algumas bandas protegidas pela crítica. Tecnicamente, não percebo em que é que somos piores músicos ou percebemos menos. A nossa música é menos honesta? A mim, sempre me custou”. Todos têm uma opinião sobre o assunto . “A revolta é idêntica”, subscreve o guitarrista Frederico Martinho. “A primeira vez que fomos a um palco grande foi à Queima das Fitas de Coimbra e pensei que aquilo ia estar ao rubro e o pessoal queria curtir solos. Chegámos e não estava lá ninguém. Uma dureza [gargalhada coletiva]. Isto para explicar que andámos a partir pedra na estrada, apesar de já termos airplay. Fomos metidos nesse saco porque Portugal só tem um veículo de venda de concertos. Nós, a Mariza, o Tiago Bettencourt, o [Pedro] Abrunhosa, os D.A.M.A. e o meu primo João Pedro Pais estamos todos no mesmo caminho. Só há uma forma de viver a sério da música. Ou se escolhe aceitar e essa crítica não te liga, ou então andas na massa crítica a tentar passar para o outro lado. Sinceramente, acho que estamos do lado certo da moeda”. O solo do guitarrista continua quando refere que “a mensagem que nos passam é: faz a tua cena mas tens que ter consciência que o jogo é este. Tenho uma banda instrumental [Pimenta Caseira], as casas estão cheia mas não é possível fazer vida com um Musicbox cheio por mês. Há um circuito [grande]”, explica.
“Há poucas bandas mais indie que os HMB!”, ergue o homem das baquetas. ”A editora é nossa, a promoção é nossa e os vídeos são feitos por nós. Todos os custos são suportados por nós”, realça. “Para filmarmos o primeiro vídeo, fomos para o Porto na carrinha do pai deste gajo [olha para o vocalista Héber Marques]. Fazemos tudo. Olham para nós como se tivéssemos ricos mas até nisso fomos parvos!”. E a frustração dá lugar a uma risada coletiva. “Eu nem dinheiro tinha para cabos”, recorda o guitarrista. “A minha revolta é só nesse sentido mas fez-nos muito bem”, dessacraliza Joel Silva. “O caminho foi o das pedras. Agora, o pessoal chega e acha que foram só ‘amores é assim’. Isto foi muito difícil mas deu muito gozo. E agora sabemos lidar melhor com isso”. O baixista também tem um ponto de vista. “Não sei se intencionalmente mas alguma massa crítica fala para uma classe social de onde vem um certo tipo da música. E atenção porque nós estamos a falar das nossas lutas mas há músicos que passam muito pior do que nós”, assume. “Os artistas portugueses que fazem música africana sofrem muito mais. E não é por serem negros. Ou os do pimba, porque os críticos assumem logo que não há nada para extrair dali”. Assunto encerrado.
Enquanto secção rítmica e guitarra procuravam respostas para a inquietação, Héber Marques, o HM do acrónimo HMB assistia como um espetador sereno. “É a bênção da maldição de ser tão distraído. São lutas que não travo, embora concorde com tudo o que eles disseram. São conversas recorrentes quando estamos a ir A1 acima”, comenta.
Antes de o combate ser travado dentro da indústria, a missão foi pôr os HMB no mapa. “Começámos pequeninos”, reconhece Héber. “Sem pretensão. Só gostávamos de música e da sensação que ela desperta em nós e num ser humano”, recorda. “Nunca passámos por picos muito grandes. O boom [só] aconteceu em 2015 com o ‘Amor é Assim’, o dueto com Carminho, que se tornou “maior do que a banda”. “Uma aceleração” na sequência de uma série de “passos de cada vez”, explica Joel Xis.
“Quando começámos”, recapitula o baterista, “era um escape à rotina, ao nosso dia-a-dia. Nos últimos anos, inverteu-se. Passou a ser a nossa ocupação. Essa é a principal mudança. Somos abençoados. Foi uma coisa que fizemos nascer, que nos preenche e é o nosso ganha-pão”. confessa. “Aquilo que nos faz olhar para o futuro e querer continuar a crescer”.
“Conheci o Joel e o Daniel na mesma altura mas os HMB não nasceram logo. Ainda demoraram dois anos. O Fred e o Daniel têm um projeto [em fase de hibernação] e conheciam-se daí. O Xis foi meu aluno de guitarra mas quando lhe pus um baixo nas mãos, o mundo soube que andava a perder um grande baixista”, reconta de sorriso rasgado.
À exceção do guitarrista Frederico Martinho, quatro dos HMB fizeram escola musical na igreja. “A meu ver, toda a música é espiritual e transcendental”, defende Héber Marques. “A forma como mexe com as pessoas é inexplicável. Nos HMB, aquilo que escrevo tem muita influência dos ensinamentos da Bíblia. Tiro muitas expressões e coloco nas canções. Não consigo desvincular, até porque aprendi a fazer música na igreja”. Joel Xis aceita a fé e junta-lhe “o dom da honestidade” no ofício da criação. “A ideia quando se está a tocar para Deus é que seja uma coisa sentida, sincera e que impacte as pessoas. Quando um músico toca na igreja, tem que estimular os outros a dizer o mesmo. Isso é transportado para os HMB. Não só para as letras, mas com a nossa postura. A nossa forma de estar é sempre inspirar o outro a sentir o que estamos a sentir”.
“Assim que sentimos, é assim que entregamos”, é o mandamento repetido no livreto dos três álbuns. “Há um espírito de missão de fazer as pessoas olhar para o lado bom da vida. De viverem mais leves. Queremos dar alegrias”. E amor, certo? “Não há alegria sem amor”.
O guitarrista leva a questão para a prática. “A nossa missão é sermos uma banda analógica num mundo digital. Está tudo ligado. Temos muito amor e horas de dedicação. O instrumento só dá de volta se formos verdadeiros. É uma premissa da espiritualidade”, observa. “O instrumento pode ser um bilhete de ida para uma viagem incrível. Parece um ofício perdido mas acreditamos que mantemos a chama viva”.
“Às vezes”, continua Héber Marques, “temos conversas sobre a adolescência musical de cada um e fala-se de Pearl Jam, que não me diz grande coisa. A mim dizem-me mais o Tito Paris ou o Bonga, mas a nossa música é um reflexo da brancura deles com a nossa escuridão”, ri-se.
Quando os HMB pisarem o Campo Pequeno no sábado, o peito será aberto a quem está por perto. Além da plateia e das bancadas, Carminho, DJ Ride e Virgul farão parte da festa. A primeira parte é do filho pródigo Enoque.