Não é o primeiro e não será o último a querer transformar a sua popularidade na televisão ou no cinema para enveredar pela carreira política. Aliás, os Estados Unidos têm hoje um Presidente que passou os últimos anos num reality show televisivo – e no Partido Democrata há quem sonhe com a candidatura de Oprah Winfrey, antiga apresentadora de televisão. Luciano Huck passou os últimos 18 anos a entrar pela casa dos brasileiros através do seu Caldeirão do Huck, programa de variedades das tardes de sábado da Rede Globo que lhe valeu vários prémios de melhor apresentador da televisão brasileira.
É esperado que agora, passado o Carnaval, Huck faça uma declaração sobre o assunto, se as suas intenções de avançar para a Presidência do Brasil são mesmo reais ou se tudo não passou de sondagens sem efeito prático. A verdade é que a imprensa brasileira e o próprio site da Globo, ainda na quarta-feira, diziam que Huck tem o apoio do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e já montou à sua volta uma equipa, com conselheiros económicos, programa e parceiros.
Num tempo em que a classe política brasileira é vista pela maioria da população com os piores olhos e que Luiz Inácio da Silva foi condenado a uma pena de prisão, o que deverá impedi-lo de concretizar nas urnas a vantagem com que surge em todas as sondagens para as eleições de 2 de outubro de 2018, a conjuntura parece favorável a um candidato que venha de fora da área da política.
Huck já não tem muito tempo para concretizar as intenções caso chegar à Presidência esteja mesmo nos seus horizontes. O prazo para os candidatos presidenciais se filiarem em algum partido (única forma de poderem concorrer) termina a 2 de abril, com um eleitorado dividido entre aqueles que apoiaram o golpe político que levou ao impeachment de Dilma Rousseff e os que se sentiram defraudados por uma democracia fragilizada e uma classe política que a Operação Lava Jato veio mostrar que está essencialmente podre e vive num mundo à parte. Com um chefe de Estado tão impopular que Renato Terra escreveu, em janeiro, na sua coluna no jornal Folha de São Paulo «que a popularidade do pénis de Michel Temer superou a do próprio Presidente», parece haver espaço para um candidato como Huck, do qual pouco ou nada se sabe sobre o seu pensamento político e que ocuparia um enorme ‘centrão’, isto é, o espaço entre aquele que ainda é ocupado por Lula e o de Jair Bolsonaro, o senador de extrema-direita, homofóbico e evocador dos princípios da ditadura militar brasileira (1964-1985) que se tornou figura popular nos últimos tempos (o pensamento de chumbo nunca deixou de existir no Brasil, parece é ter encontrado uma conjuntura mais favorável para voltar a sair a público).
Em janeiro, uma sondagem da Datafolha mostrava que há uma maioria do eleitorado que não sabe ainda em quem vai votar: com Lula nos 17% e Bolsonaro nos 10%, são mais de dois terços do eleitorado à procura de um candidato. E Huck sonha que o procurem a ele, cujo pensamento não é carne nem peixe, antes pelo contrário. Alguém que tem a popularidade necessária para não precisar de um discurso político para conquistar eleitorado, basta-lhe dizer que é candidato e que não é político e ocupar um espaço – o resto virá por inércia.
A mesma sondagem da Datafolha, já depois de estimuladas as pessoas com nomes de possíveis candidatos, não coloca Huck entre os favoritos. Neste caso, a ordem dava 35% a Lula, 17% a Bolsonaro, 16% a Marina Silva, 11% a Geraldo Alckmin e 8% a Huck.
Aquilo que diz alguma imprensa brasileira é que Temer e seus aliados estariam a construir o momentum para que o apresentador de TVavance com o apoio do MDB (antigo PMDB) contra Alckmin (PSDB), o governador de São Paulo, e Rodrigo Maia (DEM-Democratas), presidente da Câmara dos Deputados.
Falava-se na possibilidade de Huck avançar com o apoio do Partido Popular Socialista (PPS); no entanto, na terça-feira, Carlos Fernandes, secretário-geral do partido em São Paulo, escreveu que esta «não é hora para outsiders».
«Por mais que algumas incertezas do cenário político ainda façam alguns pensarem que é preciso buscar ‘salvadores da pátria’, esta não é a realidade», afirmou Carlos Fernandes, citado pelo blog O Antagonista.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não é, no entanto, dessa opinião. O sociólogo, antigo líder do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), interpreta como positiva a candidatura do apresentador de televisão. Disse FHC, como é popularmente conhecido, em entrevista à rádio Jovem Pan, na semana passada: «Quando eu digo é bom que tenha gente que nem o Luciano é porque precisa arejar, botar em perigo a política tradicional, mesmo que seja do meu partido.» E o ex-chefe de Estado, hoje com 86 anos, considerando que é «bom ter mais opções», acrescentaria que é amigo de Luciano Huck: «Gosto dele, sou amigo dele e da família dele. Acho que para o Brasil seria bom, mas não sei o que ele vai fazer.»
Jato privado, dinheiro público Com Luciano Huck a ponderar a possibilidade de se lançar na política, já seria de esperar que surgissem notícias com os seus possíveis podres. A primeira a chegar aos jornais é a do jato privado comprado pela empresa que o apresentador tem com a mulher (a também apresentadora Angélica Ksyvickis) com um empréstimo do Banco Nacional de Desenvolvimento do Brasil (BNDES). A instituição pública, que tem como fim fomentar a indústria do Brasil através de créditos que devem ser direcionados para adquirir produtos ou serviços de empresas brasileiras, emprestou, em maio de 2013, 17,7 milhões de reais (4,35 milhões de euros) à Brisair Serviços Técnicos Aeronáuticos para a aquisição de um avião Embraer Phenom 300, cujo custo total é de 20,838 milhões de reais (5,12 milhões de euros). Diz o site R7 que não só o crédito foi concedido a juro bonificado (3%) a dez anos, com carência dos primeiros seis meses, como não foi tido em conta que o empréstimo é 14 vezes superior ao capital social da pequena empresa de Huck e da mulher. O crédito foi conseguido com intermediação do banco Itaú, instituição que tem Huck como imagem de marca. Para alguém que pretende entrar na política com uma imagem diferente, a informação de que o apresentador aproveitou financiamento público para comprar um jato privado não ajuda em nada ao lançamento da sua corrida. Huck ainda não comentou a notícia; o BNDES confirma o crédito, mas assegura que tudo foi feito segundo as condições «definidas pelo Programa de Sustentação de Investimento» «estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional e vigentes à época» e «oferecidas a qualquer empresa que obtivesse financiamento à aquisição de máquinas e equipamento».
Artigo publicado na Revista BI de 17 de fevereiro