27 de fevereiro de 1983. “Selling Hitler by the Pound!”

Professor reputadíssimo, Hugh Trevor-Roper viu-se ridicularizado ao considerar os forjados “Diários de Hitler” publicados pela revista alemã “Stern” como a “maior descoberta da década”

Hugh Trevor-Roper foi um inglês que ficou umbilicalmente ligado à história da vida de Adolf Hitler, mesmo depois de o facínora nazi ter morrido.

Historiador, meteu-se num sarilho dos grandes ao afirmar sem rebuço nem hesitações que os “Diários de Hitler” publicados pela revista alemã Stern eram absolutamente autênticos e reconhecíveis perante qualquer prova em contrário.

Não adivinhava o professor das universidades respeitabilíssimas de Oxford e Cambridge que a sua reputação seria arrastada pela lama do vilipêndio. Transformado em Lord Dacre of Glanton em 1979, o bom Hugh meteu de tal forma os pés pelas mãos que ainda foi ao cúmulo de sublinhar: “Esta é a mais importante descoberta histórica da década!”
O ponto de exclamação rebentou-lhe nas mãos como um rojão de São João.

Quem o conheceu descreveu-o tal e qual uma personagem de P. G. Wodehouse: um emproado chato, snobe até à protérvia, apaixonado pela vida social e convencido de que pertencia a uma espécie de classe à parte, que se mantinha num pedestal em relação à reles populaça que o rodeava, alguns até mesmo seus alunos.

Enfim, o balão de Trevor-Roper inchou como o sapo da fábula que desejava ser um boi e explodiu de forma bastante indecente, se posso exprimir-me desta forma.

Os “Diários de Hitler”, que valeram mais tarde um livro publicado pelo célebre historiador com o nome de “Os Últimos Dias de Hitler”, reuniam-se em nada menos de 80 volumes, os quais foram escrutinados de forma escrupulosa, segundo as próprias palavras de Trevor-Roper.

O ano de 1983 foi o annus horribilis do professor Hugh.

A “Stern” vendeu os diários ao “Times”, de Londres, e o mestre caiu de imediato em contradições. “Tenho algumas dúvidas sobre a autenticidade destes documentos”, afirmou no final de fevereiro desse ano.
Em que ficamos?, terão perguntado os diretores do “Times” que, confiando na sua palavra emérita, tinham gasto uns muito razoáveis milhares de libras na aquisição de uma fraude. Admitamos que a sua consideração pelo trabalho de Hugh atingiu picos muito baixos.

1985 Dois anos mais tarde, um novo personagem surgiu no meio desta muito pouco recomendável historieta. Chamava-se Konrad Kujau e vivia em Estugarda. Tinha sido a este meliante que a “Stern” adquirira os “Diários de Hitler”.

Comerciante de tudo o que dizia respeito ao período nazi, desde medalhas a fardas e a material de guerra, Kujau dedicou-se a forjar as palavras alegadamente rabiscadas por Adolf Hitler no bunker de Berlim dentro do qual foi sendo informado da sua queda iminente. O tribunal não foi contemplativo: condenado por fraude.

O interesse do professor pelo führer vinha de muito, muito longe. Afinal, em 1945 tinha estado em Berlim, como jovem oficial britânico trabalhando para os serviços secretos com a missão de traçar uma teoria credível para os acontecimentos derradeiros no bunker de Hitler.

Porque teorias eram mais do que muitas. Tão fantasiosas como a que garantia que Hitler tinha fugido num submarino que o levara para a América do Sul, o continente onde se refugiou a grande maioria dos oficiais nazis que escaparam à morte.

O próprio “Le Monde”, do alto da sua sobriedade, não fugiu ao delírio. Apresentou nas suas páginas uma reportagem de um esconderijo construído no Polo Sul para o qual Hitler teria viajado bem antes do armistício, colocando-se a salvo de qualquer tipo de conspiração, absolutamente afastado da civilização, algo que não lhe devia provocar insónias, de tal ordem foi ele um incivilizado.

Hitler, Hitler, Hitler!

Uma mania total.

Num jornal norte-americano, uma testemunha jurou a pés juntos ter-se encontrado com ele em Viena, onde o chefe nazi trabalharia incógnito como croupier de um casino.

O trabalho de Trevor-Roper no final da ii Guerra Mundial foi meritório. Conseguiu encontrar-se e entrevistar muitos alemães próximos do führer como, por exemplo, o seu arquiteto favorito, Albert Speer. E tornou pública a conclusão da sua investigação no dia 1 de novembro de 1945: Hitler matara a tiro a sua companheira Eva Braun e depois suicidara-se, disparando a  arma na sua própria boca. Depois, os corpos foram queimados.

Os russos, que dominavam a parte de Berlim onde os acontecimentos tiveram lugar, mantiveram-se à parte destas considerações. Limitaram-se a um breve comunicado: “Uma teoria interessante.”

Trevor-Roper atingiu a consideração universitária com base nesta investigação. Mas não era especialmente querido entre os seus pares por via do seu sarcasmo contundente perante trabalhos alheios.

O sarcasmo veio de volta como um voo de bumerangue e atingiu-o logo abaixo do coração: naquele lugar que se chama credibilidade. Os “Diários de Hitler” marcaram-no para o resto da existência com o ferrete intenso da chacota.
Julius Grant foi outro dos nomes com os quais morreu atravessados na garganta: foram as suas experiências de âmbito forense que definiram a farsa de forma definitiva.

Alan Bennet produziu uma série de televisão sobre o professor Hugh. Chamou-lhe: “Selling Hitler”. Sarcástico, pois… Ou “Selling Hitler by the Pound”, como diriam os Genesis.