Tim Martin é considerado uma autoridade na mediação e resolução de litígios no setor energético, em especial no petróleo e gás, a sua área de maior experiência. Trabalhou mais de 40 anos na indústria e há muitos outros que se dedica à economia e ao direito da energia.
O canadiano esteve em Portugal para participar num seminário, na sociedade de advogados Miranda & Associados, dedicado aos mercados internacionais de energia e soluções de resolução de disputas. Em entrevista ao i, Tim Martin afirma que mesmo com os avanços tecnológicos e mudanças no setor da energia “haverá sempre disputas”. “Gostaria de ver o mundo sem litígios, mas onde há diferentes pontos de vista há litígios”, assevera.
Mesmo na “indústria das energias renováveis haverá um grande número de litígios. Começamos a ver isso em Espanha e também haverá em Portugal”, antevê. “Neste momento há pelo menos 30 litígios em Espanha no que diz respeito aos setores das energias renováveis”, relata, explicando que o “governo espanhol colocou em prática alguns incentivos para encorajar ao investimento e depois tirou–os”. Segundo Martin, esse “tipo de disputas está a acontecer” e há “também litígios regulatórios sobre o que deveria ser a rede elétrica” ou “quem fica com que direitos”.
Além disso, “também é provável que aconteçam litígios ambientais que venham de pequenas comunidades” que “querem energia renovável, mas não no seu quintal”. E o mesmo acontecerá “com os parques eólicos offshore, porque são de facto estruturas muito grandes, tapam a vista, fazem muito barulho e haverá questões em relação a isso”.
No início do ano, em Portugal havia quatro empresas energéticas que, por razões diferentes e em momentos diferentes no tempo, tinham movido ações judiciais contra o Estado.
Uma ação judicial contra o Estado é sempre uma opção indesejada, especialmente no setor do petróleo e do gás. São “projetos que precisam de muito dinheiro de investimento e que duram muito tempo: não um ano, mas 30 ou 40 anos”, recorda Tim Martin. “O resultado é que as coisas mudam. As circunstâncias em redor do investimento mudam (…) os governos, as regras e leis que estes aplicam. Os decisores que tinham iniciado o investimento também mudam” e, à medida que “todas estas mudanças ocorrem, de vez em quando acontecem alguns mal entendidos”, diz.
Estes mal-entendidos “de vez em quando resolvem-se e de outras vezes transformam-se em disputas completas”, mas ainda assim “há sempre alguma relutância em resolver as disputas nos tribunais locais”, garante. “E isso é verdade seja qual for o país”, sentencia Martin. Para este especialista, “se for uma empresa norte-americana em França, não quer ir a um tribunal francês, e vice-versa”.
Neutralidade Daí que, argumenta ao i, seja necessário “um fórum neutro, e é isso que a arbitragem internacional providencia”. Na arbitragem, as partes “têm oportunidade de escolher os seus árbitros, que são quem toma as decisões”. A arbitragem, complementa, permite também “escolher árbitros que não são apenas neutrais e independentes, mas que também percebem os tipos de transações e contratos que estão em causa e, por isso, têm uma melhor capacidade de ouvir os argumentos que se estão a esgrimir de ambos os lados”.
Os litígios nestes setor são entre Estados, entre investidores e Estados e entre empresas. No primeiro caso são, por norma, sobre fronteiras, em especial nas áreas marítimas onde se desenvolve um negócio – petróleo e gás, ou mineração de recursos naturais – e não se consegue chegar a acordo sobre onde é essa linha de demarcação. As empresas estão envolvidas porque têm concessões de exploração em áreas disputadas.
Exemplo de um litígio investidor-Estado é uma empresa petrolífera investir com um determinado contrato e o governo decidir mudar as regras ou com novos impostos, ou com restrições à atividade ou expropriação de ativo. Hoje em dia, este tipo de disputa acontece no ICSID (International Center for Settlement of Investment Disputes), que é um ramo do Banco Mundial.. A Convenção do ICSID foi assinada por pelo menos 150 países.
A terceira variante prende-se com disputas comerciais entre empresas que, para conseguirem desenvolver estas operações, fazem uma variedade de contratos de forma a minimizar o risco – que é muito alto – e a gerir o portefólio de investimento, que por regra é feito numa “joint–venture” com outras empresas. A maioria destas joint-ventures não formam uma empresa, fazem antes um acordo.
“Mas antes deste acordo há ainda uma série de outros. E quando esta joint-venture consegue a concessão, há ainda que executar o trabalho. E estas empresas não o fazem por si próprias. Contratam externamente os serviços. Por isso, pode haver literalmente centenas de contratos numa operação deste tipo”, lembra Tim Martin. “Para esses contratos tem de haver um qualquer mecanismo de resolução de conflitos e, mais uma vez, a tradição é usar arbitragem internacional”, refere, uma vez que “poderá ser uma empresa petrolífera portuguesa que contrata uma empresa coreana para construir determinada infraestrutura num outro país”.
Para que este mecanismo vigore é preciso definir primeiro qual é a lei que vai ser usada para interpretar o contrato: por exemplo, se é a lei portuguesa, inglesa ou angolana; depois, saber qual o mecanismo de disputa que será usado. “Mas no fim será precisa uma decisão vinculativa. Porque não se pode deixar estas disputas continuar indefinidamente” lembra o especialista. E só há duas formas de decisões finais vinculativas: uma é nos tribunais e outra na arbitragem internacional, com as regras das suas instituições.
Irão e Venezuela Na maioria dos contratos do setor do petróleo e gás há cláusulas de força maior. Estas estipulam que quando acontece alguma coisa que está fora do controlo ou era imprevisível e que obriga a encerrar a operação, deixa de ser obrigatório manter o investimento que estava contratado e que seria mandatório em condições normais.
Um exemplo é quando foram impostas sanções ao Irão ao mesmo tempo que várias empresas petrolíferas europeias investiram no país. De repente, devido às sanções, “a sua capacidade para investir no Irão ou desenvolver o negócio foi restringida ou mesmo impedida”, esclarece o especialista.
Já a situação na Venezuela, onde tem havido muitos litígios investidor-Estado, resulta da chegada ao poder de Hugo Chávez, que decidiu que os acordos com as empresas petrolíferas internacionais eram injustos para a Venezuela e, “através de uma variedade de meios, terminou e readquiriu essas operações, muitas delas de empresas dos EUA”.
Tim Martin conta que “essas empresas apresentaram queixas ao abrigo da Convenção do ICSID, argumentando que se tratou de expropriação. “Um princípio básico do direito internacional é que um Estado está habilitado a expropriar um ativo ou um investimento. Mas, se expropriar, tem a obrigação legal de compensar o investidor pelo valor do ativo expropriado. E a questão passa a ser como é que se avalia o ativo, e aí há divergências entre o Estado e o investidor que resultam em litígios.”