UE procura receita pós Brexit

Cimeira informal da União Europeia começou a discutir orçamento para depois da saída do Reino Unido. Divisões entre os Estados são muitas e antecipam-se negociações difíceis.

Com a saída do Reino Unido da União Europeia UE), agendada para a primavera do próximo ano, há procura de novas fontes de receitas para o orçamento comunitário, que vai perder mais de dez mil milhões de euros com o Brexit. São várias as propostas em cima da mesa, mas na perspetiva do Parlamento Europeu o mais importante é conseguir recursos próprios para manter as prioridades e até financiar os novos desafios, nomeadamente o reforço das políticas de segurança e defesa, para além da migração. Os eurodeputados defendem que o orçamento deve corresponder a 1,3% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) conjunto dos 28 Estados-membros da UE. Já a Comissão Europeia (CE), na sua proposta preliminar, argumentou a necessidade de o orçamento ser de 1,1% do RNB, o que significa uma maior contribuição por parte dos países do bloco comunitário. Mas muitos dos Estados-membros estão relutantes em manter os valores atuais e querem até diminuir a sua contribuição. Países como a Holanda, a Áustria ou os nórdicos argumentam que para uma UE mais pequena o orçamento também tem de ser mais pequeno. É com este pano de fundo que os chefes de Estado e de Governo se reuniram ontem em Bruxelas numa cimeira informal para discutir pela primeira vez o quadro financeiro plurianual para 2021-2027. A expectativa não era que houvesse qualquer acordo em relação ao volume do orçamento mas que desse orientações à CE para a sua proposta a apresentar a 2 de maio. 
À entrada para a reunião, o primeiro-ministro defendeu a necessidade de a UE acordar um orçamento ambicioso, alcançado com uma combinação entre mais contribuições e novas fontes de financiamento. António Costa defendeu a manutenção da Política Agrícola Comum (PAC) e da política de coesão, reconhecendo que as negociações serão difíceis.

Reforço orçamental 

Os países europeus querem reforçar a cooperação na defesa, segurança e migração e a Comissão argumenta que, para que essas políticas sejam eficazes, o orçamento tem de ser reforçado. Uma perspetiva que é partilhada pelo PE.
«A União Europeia tem de continuar a ter uma economia competitiva, que faça face às alterações climáticas, precisamos de combater os desafios da globalização, da demografia, da escassez dos recursos naturais. Acresce à saída do Reino Unido a necessidade de manter as políticas que temos e os novos desafios da segurança e defesa, é importante e necessário reforçar o orçamento da UE. E depois temos de defender os envelopes da coesão e também da Política Agrícola Comum, que no caso de Portugal são essenciais: representam 11,5 milhões de euros por dia até 2020», resume ao SOL José Manuel Fernandes.

Segundo o eurodeputado social-democrata, «a Comissão e o Parlamento concordam que devem ser reforçados os montantes para a juventude, Erasmus +, e também o Horizonte 2020, programa de investigação e inovação» e daí considerar que deve aumentar o volume do orçamento sem penalizar os contribuintes. «A solução não é aumentar as transferências dos orçamentos nacionais, que esse já é o problema que existe neste momento. 85% das receitas do orçamento comunitário já vêm dos orçamentos nacionais» pelo que cada país procura o juste retour. E acresce um outro problema, que é a distinção entre os beneficiários líquidos e os contribuintes líquidos. Os primeiros são os que recebem mais do que o que contribuem para o orçamento comunitário e vice-versa.

«A questão do juste retour e a distinção entre contribuintes e beneficiários é má. Era importante que houvesse recursos próprios sem penalizar os contribuintes», sustenta José Manuel Fernandes, que dá como exemplo destes recursos próprios o imposto sobre as transações financeiras, a que Portugal aderiu em conjunto com 11 países, que é um recurso próprio da União Europeia, ou o mercado das licenças de emissão de gases de efeitos de estufa, do qual «uma parte importante da receita poderia ir para o orçamento da União Europeia e faz todo o sentido que assim seja, as emissões têm a ver com todos». E os lucros do do BCE «são outra possibilidade» de fonte de receita.

Lucros do BCE 

O documento preliminar da CE assinala que «uma vez que o rendimento monetário do Banco Central Europeu pela emissão do euro está diretamente ligado à União Económica e Monetária, poderá ser considerado como um possível novo recurso próprio». 

Em causa está a senhoriagem, o lucro dos bancos centrais pela emissão de moeda que é obtido calculando a diferença entre o ‘valor’ do dinheiro e o custo de produzi-lo. «O Orçamento da UE poderia beneficiar, sob a forma de contributo nacional, do montante correspondente a parte dos lucros através de uma percentagem dos rendimentos monetários dos bancos centrais nacionais da Zona Euro, entregues aos Governos nacionais», sugere a CE. 

Nas contas da CE, apresentadas no documento divulgado a 14 de fevereiro, a ideia deveria render 1,5 mil milhões de euros por ano – 10% dos lucros – ou oito mil milhões de euros – 50% dos lucros. Em ambos os casos, as estimativas estão longe do que a realidade mostra, pelo menos em 2017.

No ano passado, os chamados direitos de senhoriagem – emissão de moeda – deram praticamente zero de lucro. A receita, que chegou a ser de mais de dois mil milhões de euros em 2008, esteve sempre em queda nos anos seguintes. Em 2016, a emissão da moeda representou apenas 8,9 milhões de euros. As taxas de juro baixas são uma das justificações para a queda destes lucros, mas a expectativa é que, com a recuperação económica, voltem a subir. 

Na reunião de ontem estavam também em discussão cortes em duas das principais políticas europeias: a PAC e a política de coesão, que tem como objetivo investir nas regiões mais pobres, uma possibilidade que José Manuel Fernandes considera problemática. «Do ponto de vista de Portugal, defendemos um aumento do orçamento, porque será problemático diminuir o envelope da política de coesão, uma vez que são 22 mil e 500 milhões de euros», a que acrescem os «programas operacionais regionais, que são essenciais à nossa economia e para o investimento», diz ao SOL, lembrando que «75% do investimento público em Portugal tem origem no orçamento da União Europeia a partir de fundos comuns da política de coesão».

Para o eurodeputado, a Europa tem de «manter um crescimento sustentável, inteligente, inclusivo, com política de coesão, mas também com investigação e inovação». Na sua ótica, é essencial «uma política de coesão para todos os Estados-membros e todas as regiões», uma vez que se mantém a «necessidade de coesão social, económica e territorial» dadas as «grandes disparidades entre os Estados membros e dentro dos Estados membros». 

Legislatura

O coordenador do Partido Popular Europeu (PPE) na Comissão de Orçamentos do Parlamento Europeu resume ser «preciso passar a mensagem que todos são beneficiários do orçamento e deste espaço da UE que tem um mercado único enorme» e que «1,3% do RNB permite acomodar as políticas tradicionais e atender os novos desafios da segurança e defesa».

José Manuel Fernandes defende ainda a importância de aprovar o quadro financeiro plurianual nesta legislatura do PE e da CE – que termina em 2019 – «para que em 2021 todos os programas estejam em execução». 
No entanto, a questão do orçamento divide muito os países da União Europeia: as últimas negociações duraram 29 meses.