N uma altura em que ser diferente e irreverente está em voga, temos assistido a uma enorme censura a tudo o que possa parecer discriminação, sobretudo de género ou até de espécie. Mesmo que nos custe, temos de fingir que somos todos iguais para não ferir suscetibilidades.
Os últimos tempos têm sido prova disso: se foi descabida a polémica que se gerou no ano passado à volta dos livros de atividades para meninos e meninas, tal como o tempo que o governo lhe dedicou e o prejuízo que a editora teve, o que dizer de recentemente o Senado do Canadá ter aprovado a mudança do Hino Nacional em nome da igualdade de género? Talvez seja eu que não estou a ver bem as coisas, mas parece-me mais ou menos óbvio que há uma diferença evidente entre os géneros feminino e masculino. Naturalmente meninos e meninas, homens e mulheres (independentemente da ordem) deverão ter os mesmos direitos, mas isso não passa pelo fundamentalismo de ter livros exatamente iguais, por não haver diferenciação de gostos ou cores ou por haver um hino assexuado que não descrimina ninguém.
Logo a seguir à absurda polémica dos livros surgiu a não menos absurda discussão sobre a possibilidade de antecipar dois anos a mudança de género no registo civil. Com 16 anos os jovens não são suficientemente crescidos para votar, para ter carta de condução, para beber álcool, para entrar em discotecas, não podem fazer quase nada sem autorização dos pais, mas já é perfeitamente normal que possam tomar livremente uma decisão que trará tantas implicações, como mudar de nome e de género? Sendo uma idade de intenso crescimento e exploração, de uma personalidade que se está a definir e ajustar, qual a urgência desta antecipação? Como se não bastasse, houve ainda a ideia destes jovens injustiçados poderem abrir um processo a quem os tentasse dissuadir, partindo do princípio de que essa pessoa estaria contra eles e não a tentar aconselhar de forma ponderada.
Para acabar o ano da forma mais justa possível, foi aprovada a entrada de animais de companhia em estabelecimentos comerciais. ‘Uma cidade justa é também uma cidade que trata bem os seus animais’, recordo-me de ler. E logo a seguir pensei: ‘E se eu, por mais que goste de animais, preferir almoçar sossegada, sem os ter ao meu lado, com a certeza que não andam a cheirar o meu prato, a coçarem-se para cima de mim, a assustar as crianças e a ladrar, miar ou piar uns para os outros? Terei de ser escrava da liberdade deles e dos seus donos, que não podem ser discriminados por ter cão?’.
Sou uma defensora nata dos direitos de todos sem exceção, mas, aqui, diante de vós, eu pecadora me confesso: em criança gostei muito de ter livros e brinquedos de menina; já na adolescência, embora na altura não percebesse isso, se os meus pais não me guiassem e limitassem em algumas coisas não sei onde estaria hoje; e, por mais que adore animais, continuo a achar que as pessoas são mais importantes, independentemente do género.