A cúpula política brasileira viveu esta terça-feira um novo dia de sobressaltos judiciais com consequências imprevisíveis para ambos os lados do fosso. O presidente Michel Temer sofreu o segundo revés em poucos dias ao ver o Supremo Tribunal Federal anular-lhe o sigilo bancário para o período que decorreu entre janeiro de 2013 e junho do ano passado, na tentativa de passar revista a pente fino às contas do líder brasileiro e ver se lá existem provas de que fabricou uma nova lei dos portos para beneficiar uma empresa de comércio marítimo. O candidato Lula da Silva, por sua vez, viu no mesmo dia rejeitado um recurso em segunda instância à pena de 12 anos e um mês anunciada em janeiro e recusado um habeas corpus preventivo no Superior Tribunal de Justiça.
Num rombo múltiplo na elite que disputa o poder, Temer tenta sem sucesso sair do lodaçal de uma aprovação historicamente rasa, apesar dos primeiros sinais de melhoria económica e de fim da recessão. O presidente garante que não vai ser candidato em outubro, mas a impopularidade que o atinge ataca também o seu governo e aliados. Entre Temer, o seu ministro da Fazenda e o presidente da Câmara dos Deputados não há quem ultrapasse os 2% da preferência do eleitorado, de acordo com a mais recente sondagem do Instituto Datafolha, publicada em janeiro. A notícia de mais suspeitas de corrupção e, agora, a duvidosa honra de ser o primeiro presidente em funções no Brasil de contas desnudadas só piorarão as chances da aliança do poder se revalidar no mesmo.
O Planalto, apanhado esta terça-feira de surpresa – segundo avançava o “Folha de S. Paulo” -, reagiu anunciando que o presidente nada tem a esconder e que o seu gabinete tratará até de enviar aos jornais os detalhes dos movimentos de conta que em breve vão para as mãos dos investigadores. O contratempo de Temer, no entanto, é o último episódio numa sequência jurídica dolorosa. As suspeitas de que ofereceu uma reforma na lei dos portos à empresa Rodrimar surgiram em janeiro e podem resultar numa terceira moção no Congresso para levantar a imunidade do presidente e julgá-lo antes do fim do mandato. Também na sexta-feira, a procuradora-geral do Brasil reverteu uma decisão do seu antecessor, Rodrigo Janot, e permitiu o início de uma investigação ao esquema de subornos que Temer alegadamente chefiou no seu partido, o PMDB – agora apenas MDB.
Lula da Silva, por seu turno, recebe mais um abalo nas aspirações presidenciais. O enésimo, mas não o final. O Ministério Público confirmou a pena de 12 anos e um mês decretada em segunda instância no mês de janeiro, apesar de exigir duas modificações materiais à acusação. Este recurso parecia condenado à partida. O golpe verdadeiramente duro ocorreu de tarde no Superior Tribunal de Justiça, no qual os advogados do antigo presidente apresentaram um habeas corpus preventivo com o qual pretendiam evitar a prisão de Lula assim que estiver avaliado o derradeiro recurso no Tribunal Regional Federal (TRF4) – e que, com toda a probabilidade, será recusado pelo coletivo de juízes que o condenou em janeiro.
Os cinco magistrados do Supremo votaram esta terça-feira em unanimidade contra a ideia de que enviar Lula da Silva para a prisão até estarem finalizados os recursos possíveis nas mais altas instâncias viola o princípio de presunção de inocência e interfere no processo eleitoral de outubro, visto que o candidato no topo da sondagens – à volta de 33% – ficaria impedido de fazer campanha. A decisão de é mais severa que o esperado, mas não é final. Lula da Silva ainda tem algumas semanas pela frente até que o TRF4 avalie os chamados embargos de declaração apresentados pela equipa do antigo presidente e, no que diz respeito a habeas corpus, falta ainda tentar o Supremo Tribunal Federal. “Vou levar a minha candidatura até ao fim”, declarou o ex-presidente depois de conhecida a sentença.