O Estado só vai emprestar às câmaras a totalidade das verbas necessárias para limpar terrenos que fiquem dentro das áreas com maior risco de incêndios. Ou seja, o valor que está disponível na linha de crédito criada para este efeito não vai cobrir em muitas zonas do país a despesa total que terá de ser assumida pelas autarquias.
De acordo com a proposta de decreto-lei, desenhado pelo governo, que define as regras para o acesso à linha de crédito – a que o i teve acesso – o Estado só irá disponibilizar 100% das verbas pedidas pelas autarquias para limpar terrenos em 710 freguesias consideradas como 1.º prioridade, as que correm maior risco de incêndio.
Para limpar os terrenos que estejam localizados nas 339 freguesias consideradas como 2.ª prioridade – os que representam perigo de incêndio à escola municipal – o Estado só irá aprovar 75% do valor pedido pelas câmaras como empréstimo. E esta percentagem desce para os 60% na limpeza dos terrenos que foram classificados como secundários, que fiquem fora das freguesias sinalizadas como prioritárias. Há 2042 freguesias nesta situação.
Esta é uma das regras que consta da proposta de decreto-lei enviada na terça-feira às autarquias e a que o i teve acesso.
O documento está em consulta pública até amanhã para que as autarquias emitam um parecer num prazo de dez dias. Fonte oficial da Associação Nacional de Municípios (ANMP) confirmou ao i que recebeu o documento, não avançando para já qualquer posição sobre a proposta do governo, tendo em conta que irá ser alvo de análise durante a reunião de conselho diretivo agendada para a próxima terça-feira.
Entre os critérios definidos para um terreno ser declarado de 1.ª prioridade está a localização junto a linhas de transporte e de distribuição de energia elétrica em muito alta tensão e em alta tensão e da rede de gás natural, por exemplo. São ainda prioritários terrenos junto a parques de campismo e a parques industriais. Como 2.ª prioridade foram classificados terrenos que representem perigo de incêndio a nível municipal. Estas duas categorias abrangem 1049 freguesias de 189 concelhos, num total de 3091 freguesias que compõem as 308 autarquias do país.
A linha de crédito vai disponibilizar um total de 50 milhões para as 308 câmaras e têm sido vários os autarcas a alertar que o valor não é suficiente para suportar a despesa com a limpeza dos terrenos.
Para combater e evitar incêndios como os do ano passado, o governo publicou uma lei que estipula que todos os proprietários ou arrendatários de terrenos, sejam privados ou empresas, têm até dia 15 de março para limpar as suas parcelas de terra, sejam elas baldios ou terrenos em redor de aglomerados populacionais, sob pena de serem multados. E este ano o valor da multa subiu para o dobro: no caso de um proprietário singular, a coima vai oscilar entre os 280 euros e os dez mil euros; pessoas coletivas estão sujeitas a coimas entre os três mil e 120 mil euros.
A partir de 15 de março, depois da fiscalização da GNR e de ser aplicada a multa, a responsabilidade pela limpeza é transferida para as autarquias, que têm até 31 de maio para limpar os terrenos, sob pena de, no mês seguinte, sofrerem um corte de 20% na verba mensal transferida através do Fundo de Equilíbrio Financeiro. E foi para suportar as despesas com esta missão que o governo criou uma linha de crédito de 50 milhões de euros.
Verbas insuficientes O decreto-lei, que será assinado pelos ministérios das Finanças, Administração Interna e Agricultura e Florestas, não define um valor máximo e mínimo para o empréstimo a conceder a cada autarquia. Caso os 50 milhões de euros fossem distribuídos de forma equitativa entre os 308 municípios, caberia a cada câmara 162 mil euros. Mas a proposta do governo prevê cenários de empréstimos superiores a um milhão de euros para uma única autarquia.
Além dos autarcas que reclamam que o valor não é suficiente, esta terça-feira o ministro da Agricultura e Florestas, Luís Capoulas Santos, reconheceu no parlamento que, “muito provavelmente”, os recursos financeiros “não chegarão para tudo”.
As autarquias têm até dia 30 de setembro para pedir os respetivos empréstimos, sendo que o poderão fazer através do Portal Autárquico mas só a partir da publicação da lei. A aprovação e transferência das verbas levará, no limite, 20 dias úteis, diz a proposta do governo.
No caso de empréstimos com um valor inferior a um milhão de euros, a autarquia tem até cinco anos para devolver as verbas ao Estado. Para empréstimos acima de um milhão de euros, as câmaras têm de devolver as verbas até dez anos.
Pelo valor do empréstimo serão cobrados juros de mora, que têm um período de carência de um ano.
A proposta prevê ainda que o reembolso dos municípios ao Estado só seja efetuado à medida que recebam dos particulares as verbas que correspondem à limpeza dos terrenos que não foram limpos atempadamente e cuja responsabilidade teve, por isso, de passar para as câmaras municipais.
De acordo com a lei, todos os proprietários ou arrendatários que não limpem os seus terrenos têm de ressarcir as autarquias dessa despesa. Caso não paguem são penhorados, de acordo com a proposta do governo.
Para abater a dívida dos proprietários, as câmaras podem ainda vender lenha que resulte da limpeza dos terrenos, arrecadando essa receita.
Estado assume despesa dos mais pobres Garantido foi já que a limpeza dos terrenos de famílias ou idosos com dificuldades financeiras, que será assumida pelas autarquias, vai ser assumida no final do processo pelo Estado.
O anúncio foi feito no parlamento pelo ministro da Agricultura e Florestas, Capoulas Santos, que revelou que, nos casos de proprietários carenciados, as autarquias não terão de devolver as verbas pedidas através da linha de crédito. E as câmaras poderão, nestes casos, ficar com as verbas que resultem da venda da lenha desses terrenos.
Os proprietários carenciados terão de fazer prova dos seus rendimentos através da apresentação de documentos.
O i questionou o MAI sobre o valor definido como patamar para os cidadãos serem abrangidos por este apoio, que tipo de documentos têm de ser apresentados e em que prazos, mas não obteve respostas até ao fecho desta edição.
A lei também não é clara sobre os casos de terrenos cujo proprietário não é identificado.