A procuradora adjunta que assinou com Orlando Figueira o despacho de arquivamento da investigação a Manuel Vicente, ex-vice-presidente-angolano, disse esta manhã em tribunal que teria feito mais diligências antes de tomar a decisão final, adiantando que o procurador suspeito no caso Fizz é que tinha a última palavra em caso de discordância.
Teresa Sanchez começou a ser ouvida já passava das 11h e passou a explicar que dava “apoio técnico jurídico”, adiantando que nos processos relativos a Angola ou a cidadãos angolanos normalmente era Orlando Figueira a fazer os despachos: “Previamente discutíamos, e depois ele mandava-me o despacho por email ou entregava-mo em mãos.”
Assumindo ter havido sempre abertura do antigo magistrado do DCIAP para discutir os despachos, Teresa Sanchez explicou que ambos assinavam sempre quer fossem deliberados por um ou por outro: “Não havia critério propriamente dito [para ser um ou outro a fazer], mas nos casos de Angola ele tinha mais à vontade e eram crimes complexos e o doutor Orlando Figueira, de facto, estava mais à vontade com aquilo”.
A discordância sobre a investigação a Vicente
Teresa Sanchez explicou que discordou de Orlando Figueira quando este quis extrair uma certidão do processo 246/11 – em que se investigavam diversas pessoas pela compra de apartamentos do condomínio Estoril Sol – para tratar o caso de Manuel Vicente isoladamente (que viria a ser o processo 5/12).
“Tive discordância desta decisão”, disse após ser questionada pela procuradora Leonor Machado.
Segundo a testemunha, Orlando Figueira sugeriu que se extraísse a certidão, sem que a mesma percebesse porquê. Teresa Sanchez acrescentou em tribunal que ao questionar o procurador sobre qual o motivo de não se fazer o mesmo em relação aos restantes suspeitos, Figueira disse-lhe que o ex-governante angolano tinha entregue a declaração comprovativa de rendimentos e que o arrastar da situação era mau para as relações entre Portugal e Angola. Além disso, contou a procuradora, foi-lhe referido que naquele país se aproximavam eleições (ano 2012) e que Figueira lhe sugeriu que se deveria evitar agudizar as relações entre os dois estados.
“O doutor Orlando justificou-me o porquê da extração de certidão com a junção dos documentos, as relações entre Portugal e Angola e o facto de o senhor engenheiro Manuel Vicente ser candidato nas eleições”, afirmou, explicando: “Eu acabei por concordar”.
“Como magistrada teria feito mais”
Mas não terá sido de ânimo leve que aceitou aquele arquivamento, que teve por base a declaração de rendimentos, e o registo criminal de Manuel Vicente: “Se me perguntar se eu como magistrada teria feito mais qualquer coisa, digo-lhe que teria feito mais qualquer coisa. Mas o dr. Orlando Figueira era o magistrado e em termos técnicos [o que foi feito] está perfeito, nada a acrescentar”.
E se por um lado admite que o procurador suspeito de receber luvas de 760 mil euros de Manuel Vicente para arquivar processos nunca lhe escondeu nada, por outro garante que não reparou no ponto do despacho de arquivamento em que se determinava a eliminação de todas as referências ao agora ex-governante angolano – dados que acabaram por ser recortados com x-ato e tesoura.
“Falámos na altura relativamente às referências e aos documentos a serem devolvidos. Quando este despacho me foi enviado por email eu já sabia a fundamentação e penalizo-me por não ver a segunda parte… porque a minha interpretação do processo penal é que os documentos não devem ser destruídos. E não reparei no ponto em concreto sobre a eliminação das referências em concreto”, contou.
Teresa Sanchez disse também nunca ter sabido que a eliminação de referências acabou por ser feita através de recortes.
Orlando anulou diligências pedidas
A procuradora, que esteve a ser ouvida enquanto testemunha, disse ainda que a determinado momento pediu umas diligências às autoridades angolanas numa altura em que Orlando Figueira estava fora no âmbito do caso em que Vicente estava a ser investigado, tendo as mesmas sido anuladas por Orlando Figueira.
“Chegou a dizer que as diligências que eu tinha pedido iam ter resultados nulos, porque eu nunca conseguiria chegar aos acionistas da Portmill [veículo usado para compra de apartamentos no Estoril Sol]. Ele explicou-me o porquê de não ir ter resultados práticos e eu tive de aceitar”, afirmou em tribunal.
Orlando foi ainda descrito como um procurador preocupado com todos processos, não particularmente nervoso ou ansioso com os que visavam a elite angolana.
Teresa Sanchez disse ainda que só soube que Figueira queria sair do DCIAP para ir para uma empresa ou um banco, nunca tendo tido conhecimento de que a sua intenção era ir trabalhar para Angola.
Quanto à sua vida, esclareceu que nunca lhe passou pela cabeça abandonar o Ministério Público, considerando-se uma magistrada “convicta”.
Blanco circulava no DCIAP
Sobre Paulo Blanco, outro arguido do caso Fizz que representava o estado angolano enquanto advogado, a procuradora explicou que o chegou a ver mais do que uma vez no gabinete de Orlando Figueira, algo que não era comum com outros advogados. E acrescentou que o assunto era mesmo motivo de conversa entre os funcionários do Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
“De facto vi algumas vezes o dr. Paulo Blanco no departamento. E nunca lá vi qualquer outro advogado. Nunca vi outro advogado a andar por ali, no gabinete nem no corredor. Os funcionários comentavam que [Paulo Blanco] andava por lá muito”, disse.