O futuro de uma petição que deu entrada em abril do ano passado na Assembleia da República só vai ser decidido esta semana na comissão parlamentar de Saúde, tudo por causa do que o parlamento diz ser um erro.
A petição, que surgiu numa altura em que um surto de sarampo tinha vitimado uma adolescente e pede uma discussão sobre a obrigatoriedade das vacinas do Programa Nacional de Vacinação, foi entregue pela autora da iniciativa em abril de 2017, com cerca de 10 mil assinaturas, o suficiente para ser discutida em plenário. Porém, o processo não foi linear e, num primeiro momento, as assinaturas parecem ter-se perdido algures entre a caixa de correio eletrónico de Margarida Vaqueiro Lopes e a da Assembleia da República. E, apesar de os serviços terem confirmado entretanto que a petição tem assinaturas suficientes para ser discutida em plenário, esse parece não ser agora o veredito final.
“A 24 de abril do ano passado apresentei a petição através do site do parlamento e anexei o documento em formato excel com as assinaturas todas. Como a plataforma não é muito clara quanto à receção, enviei depois um email para os serviços da Assembleia a confirmar que tudo tinha sido recebido conforme”, contou ao i a autora da petição, Margarida Vaqueiro Lopes.
A resposta – afirmativa – chegou dois dias depois e foi complementada por um novo email, a 12 de maio, em que se lia que a petição tinha sido “distribuída para uma decisão sobre a sua admissibilidade à Comissão de Saúde (9.a), tendo sido registada com o número 307/xiii/2.a”.
Passaram-se, entretanto, meses, e já este ano, em janeiro, Margarida decidiu ir ver o estado da petição no site da AR. “Encontrei a indicação de que o número de assinaturas constante da petição era uma, quando tinha entregado uma petição com cerca de 10 mil assinaturas.”
Margarida procurou esclarecimentos junto do deputado relator, Luís Soares (PS), que a encaminhou para os serviços. “O que os serviços alegam é que, entre dia 26 de abril e dia 12 de maio, me enviaram emails para o mesmo endereço a dizer que não conseguiam abrir o ficheiro das assinaturas. O que é estranhíssimo, porque recebi tudo o resto.”
O que aconteceu? Ao i, Luís Soares confirma ter conhecimento de que a peticionária recolheu cerca de dez mil assinaturas. No entanto, “não foram entregues no tempo referido. Foi solicitado à peticionária que enviasse novamente as assinaturas e ela só enviou oito meses depois”, refere. “Como foram entregues tarde, do ponto de vista legal não podem ser admitidas”, acrescenta o deputado. E garante: “Os serviços têm esses emails, aos quais a peticionária não respondeu.”
Margarida Vaqueiro Lopes, por sua vez, explica que, quando teve conhecimento de um problema em torno das assinaturas, voltou a enviar “exatamente o mesmo ficheiro que tinha anexado quando submeteu a petição no site da Assembleia”. Isso leva a peticionária a defender que “não há uma justificação plausível” e a questionar o porquê de não ter sido contactada de outra forma perante a ausência de resposta da sua parte via email.
Fonte da Assembleia justifica ao i que “os serviços só podem usar o contacto facultado pela peticionária”, uma explicação que Margarida rejeita, por acreditar que a Assembleia da República “tem maneira de arranjar outros contactos” seus.
Entretanto, ao i, o deputado relator avança que o relatório final da petição vai ser discutido esta quarta-feira “e só depois é que se saberá se a petição vai ser agendada ou não para plenário”. A última resposta que Margarida teve do parlamento, a 10 de janeiro, agradecia o ficheiro e continha apenas a indicação de que tinham sido retiradas 37 assinaturas do total, por não estarem de acordo com a lei. Quanto à discussão em plenário, os serviços não ofereciam dúvidas. “Assim, o total de assinaturas será de 9536, ou seja, muito superior ao das 4000 exigíveis para debate em Plenário da petição”, lê-se no email. Mesmo depois desta resposta, a que o i teve acesso, o site do parlamento continua a referir que a petição tem apenas uma assinatura.
Uma questão de direitos As petições são um instrumento essencial em democracia: é através delas que as causas e questões que preocupam os cidadãos são ouvidas por aqueles que governam. Contudo, o caso de Margarida levanta suspeitas quanto ao bom funcionamento dessa garantia.
“O que aconteceu parece-me muito grave, especialmente porque na altura este tema teve uma acentuada cobertura mediática. Até que ponto é que o que aconteceu com essa petição não acontece também com outras?”, questiona a peticionária. “Se há uma falha nos serviços da Assembleia da República, então que se esclareça de quem é a responsabilidade e quem é que vai assumir essa responsabilidade perante as 10 mil pessoas que confiaram em mim para entregar as suas assinaturas”, pede.