Depois de a versão portuguesa do programa “Supernanny” não ter sido bem recebida pelo público e de o caso ter chegado à justiça, a SIC viu-se obrigada a suspender o programa. Mas não desistiu totalmente do formato. A meio de fevereiro, uma versão parecida com a portuguesa chegou aos ecrãs nacionais: a estação de Carnaxide começou a transmitir, na SIC Mulher, uma versão norte-americana do reality show, designada “Jo Frost: Nanny on Tour”. Até ao momento foram exibidos dez episódios do programa, sem contestação pública.
Jo Frost, a protagonista, é uma figura televisiva inglesa com 28 anos de experiência como baby-sitter, anda numa autocaravana transformada em gabinete móvel e afirma que a sua missão é ajudar famílias em apuros. Viaja pelos Estados Unidos para dar conselhos e orientar os pais relativamente à educação dos filhos.
O formato é simples e idêntico ao que fez correr tinta em Portugal em janeiro: primeiro são apresentadas imagens da família e do contexto em que a criança é indisciplinada, desobediente e rebelde, e depois a baby-sitter entra em ação e analisa os comportamentos familiares, dando conselhos à família para lidar com os maus comportamentos e birras.
Uma questão de Distância?
O i comparou alguns episódios do formato estrangeiro com o formato português e as semelhanças são notórias. Assim sendo, porque é que a exibição deste programa é tolerável, quando o “Supernanny” não o foi? Leandra Cordeiro, psicóloga e professora universitária, acredita que “o facto de não conhecermos ou identificarmos aquela família, isto é, ninguém por cá é colega de escola, vizinho ou amigo, permite uma distância e uma tolerância diferente”, explica. “Tudo o que não nos liga emocionalmente não nos ‘revolta’.”
A especialista acrescenta que o facto de o programa português ter sido exibido “num canal aberto e com famílias portuguesas” levou a que se gerasse uma polémica maior, “suscitando mais queixas”.
A psicóloga defende, porém, que o formato do programa é a raiz do problema, por ser semelhante aos reality shows e por incluir “famílias, conflitos e realidades reais cujo alvo passa invariavelmente pela exposição de uma criança ou jovem”. A diferença é que é comum pensarmos que “aquilo que não é nosso não nos importa”.
E tal como foi criticado na altura, a especialista aponta falhas ao formato. Por um lado, “a do consentimento que é dado numa situação vulnerável” e que, neste caso, expõe menores. Por outro lado, repete-se a mesma “confusão da atuação [de Jo Frost] com a de intervenção psicológica”. Sobre este último ponto, a psicóloga frisa que “nenhuma intervenção psicológica pressupõe mediatismo, muito pelo contrário, exige o respeito pela intimidade, sigilo e ética da privacidade”.
O facto de as crianças, neste tipo de programas, estarem a ser identificadas como sendo um problema “não os salvaguarda de todos os efeitos contraproducentes” da exposição, podendo levar a emoções e comportamentos menos positivos.
Apesar de não concordar com as estratégias e práticas apresentadas no programa, Leandra Cordeiro acredita que seria possível investir num formato útil para pais e filhos. Como? Se houvesse uma “representação hipotética de casos, podíamos discutir práticas educativas e dificuldades importantes que as famílias atravessam, e que é premente que se faça”, defende.
Proteção das Crianças
Em janeiro, perante as críticas à “Supernanny” portuguesa, a Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) alertou para o facto de o programa poder “violar os direitos das crianças, designadamente o direito à sua imagem, à reserva da sua vida privada e à intimidade”, apresentando “conteúdo manifestamente contrário ao superior interesse da criança, podendo produzir efeitos nefastos na sua personalidade, imediatos e a prazo”. O Tribunal de Oeiras chegou a ordenar à SIC a utilização de filtros na cara das crianças, mas tal não aconteceu, já que o canal acabou por suspender o programa.
Na versão norte-americana que está a ser transmitida aos sábados e domingos, a imagem das crianças também não é filtrada. Há, aliás, uma curiosidade. Num dos episódios, Jo Frost conhece os pais de uma criança de dois anos que é rebelde, desobediente e já foi expulsa duas vezes da escola por morder os colegas. Ao longo das cenas, todas as fotografias e quadros que surgem em fundo estão censurados; no entanto, a cara da criança não tem qualquer filtro. Em filmagens num supermercado, todas as marcas estão censuradas, mas a criança continua exposta.
O i contactou a CNPDPCJ para perceber se houve queixas sobre o formato norte-americano, mas a entidade afirmou que não recebeu quaisquer queixas. Nem referiu qualquer intervenção. Questionada sobre as diferenças entre as versões dos dois programas e se a questão da distância é um fator determinante, a comissão afirmou apenas que prefere não fazer comentários públicos enquanto estiver a decorrer o julgamento do caso Supernanny. A ERC também confirmou ao i que, até à data, ainda não deu entrada “qualquer participação contra o referido programa”.
O i tentou contactar a SIC, mas não obteve resposta até ao fecho da edição.