O governo britânico e a comunidade europeia concordaram enfim com um documento que enuncia as regras dos 21 meses que vão decorrer entre o dia em que se acionará o artigo 50, em março de 2019, e o último dia do Reino Unido na União Europeia: 31 de dezembro de 2020.
Até esse dia, e como fica garantido pelo acordo anunciado esta segunda-feira, Londres ficará vinculada a muito mais do que desejava: continuará no mercado comum e união aduaneira, por exemplo, embora incapaz de tomar decisões sobre o futuro dos dois tratados; todos os cidadãos europeus chegados a solo britânico entre março do próximo ano e o fim do divórcio terão os mesmos direitos que os que lá chegaram antes – contrariando as promessas de Theresa May –; e, mais criticamente, dada a ausência de um acordo sobre o que acontecerá na linha que separa as duas Irlandas, o governo britânico concorda provisoriamente com a ideia de que a Irlanda do Norte, britânica, pode reter alguns aspetos do comércio comunitário, tudo para que se não se tomem para já decisões sobre uma fronteira física que ninguém sabe verdadeiramente como evitar.
Trata-se de uma vitória pírrica para o governo de Theresa May. Londres triunfa sobretudo ao conceder alguma nitidez às suas empresas e indústrias, que continuarão em ambos os tratados comunitários comerciais até ao divórcio e conhecem daqui por diante as regras às quais têm de obedecer na transição. Os mercados reagiram positivamente, valorizando a libra, e os empresários britânicos celebraram o progresso nas negociações. O acordo desta segunda, para muitos em dúvida, aumenta as chances de o Reino Unido partir da UE de forma ordeira e sem traumas de maior. “Devemos aproveitar este momento e prosseguir com o ímpeto das últimas semanas”, afirmou o ministro britânico encarregado do Brexit, David Davis, em Bruxelas, onde viveu recentemente dias frenéticos de reuniões de manhã até de madrugada.
O tempo correu sempre contra o governo de Theresa May e é possível observá-lo no acordo de transição. O Reino Unido cedeu em muitos mais temas que a Comissão Europeia e os seus sacrifícios podem ser difíceis de engolir pelo eleitorado do Brexit. É verdade que o acordo de transição é uma forma incompleta do tratado definitivo, mas o governo de Theresa May violou já sete promessas – de acordo com a organização Open Britain – e comprometeu–se com pontos irreversíveis, como o que diz respeito ao pagamento de 45,4 mil milhões de euros à UE até 2064. “Os britânicos desistiram em tudo, tanta era a sua ansiedade de conseguir a transição”, afirmava esta segunda-feira um diplomata europeu à Reuters.
Poucos discordarão desta perspetiva. Em nenhum outro tema cedeu a primeira-ministra mais do que no caso irlandês. Há semanas, May afirmou veementemente que Londres não assinaria sob quaisquer condições um documento que de alguma forma “comprometesse a integridade” do reino, criando regras diferentes para a Irlanda do Norte e para o resto do país que aumentem a divisão política nos territórios divididos pelo mar e, ainda não há muito tempo, em guerra civil. Downing Street continua a prometê-lo mas, pelo menos em teoria, já cedeu à abstração de uma Irlanda do Norte com características mais europeias que a Inglaterra. Londres não quer fronteira nem fratura, mas não achou ainda solução. “Continua a ser nossa intenção chegarmos a uma parceria tão próxima que não exija medidas específicas para a Irlanda do Norte”, garante Davis.