O deputado federal Jean Wyllys denunciava este fim de semana no Facebook a existência de uma campanha mediática no Brasil para “despolitizar” a figura da vereadora Marielle Franco, assassinada na quarta-feira no Rio de Janeiro, num crime com todos os contornos de execução profissional.
“Querem esvaziar Marielle de seu conteúdo político, porque ela era política, dignificava a política, acreditava que a política era o meio de fazer justiça social e garantir liberdades, era vereadora por um partido de esquerda, socialista, negra, favelada, lésbica, ativista de direitos humanos, defendia outra política em relação às drogas que não essa guerra aos pobres e esse encarceramento de pobres”, diz Wyllys.
O deputado do Rio de Janeiro fala de editoriais no “Globo” e no “Estado de São Paulo” que “pretendem controlar a narrativa sobre o assassinato dela e despolitizar as mobilizações (que encheram as ruas de cidades em todo o país) para que estas não virem algo maior contra o golpe de 2016”. Para Wyllys, colega de partido de Marielle, parte dos média que raramente deram espaço às ações políticas da vereadora estão agora a “esvaziar a vida dela do sentido político que tinha, sobretudo depois de ela ter sido assassinada num crime de evidentes conotações políticas”.
No site Opera Mundi, a antiga professora de jornalismo Sylvia Moretzsohn escreve que há uma “manobra de apropriação do discurso de protesto contra a execução de uma vereadora jovem, negra, ‘cria da favela’ (da Maré), que estreava na câmara um mandato promissor – foi a quinta mais votada em 2016, com mais de 46 mil votos – e se dedicava à denúncia da violência contra os marginalizados de modo geral”.
As centenas de milhares de pessoas que participaram em manifestações de homenagem à vereadora e de indignação e protesto pelo crime um pouco por todo o Brasil, mas com epicentro no Rio de Janeiro, transformaram-se numa enorme “disrupção” de um discurso securitário que estava destinado a dominar a campanha eleitoral para as próximas eleições presidenciais de 7 de outubro. Como refere o diretor de redação do site de notícias Poder360, “a disrupção que a tragédia provoca tem poder para alterar as peças que são competitivas na corrida presidencial”, para acrescentar: “Marielle era de uma nova geração. Sua atuação como política era o epítome do sentimento por renovação daqueles que atuam na vida pública. Daí a comoção geral”, daí a tentativa de os meios mais próximos do poder de procurar esvaziar o conteúdo político da vida de Marielle e dos protestos – ainda ontem estava marcado um, para a tarde, na favela carioca onde nasceu, a Maré.
“As ruas voltaram a se encher de uma multidão aguerrida, insistente, multicor, que há muito não [sai] por convocação partidária, mas por convicção de que ou agimos já, ou o país se tornará insuportável”, refere Antônio Martins, no site Outras Palavras. “E como as multidões foram inumeráveis, os hipócritas tiveram de ceder. Todo o noticiário dos jornais e das TV, que há alguns dias enxergava a intervenção no Rio como caminho para o resgate do Rio, abriu espaço a uma mulher negra que denunciou desde o início a militarização das favelas”, acrescenta.
Como diz Benedita da Silva, a primeira negra a ser vereadora no Rio de Janeiro – e que depois seguiu uma carreira política que a levou até ministra dos Assuntos Sociais do governo de Lula da Silva –, Marielle começava uma carreira auspiciosa na política, depois de ter sido eleita com a quinta maior votação no Rio de Janeiro. “Ela estaria numa chapa [candidatura] do PSOL ao governo do Rio como vice, ela tinha potencial para alcançar a ser deputada, senadora, presidente da República”, disse a ex-ministra, citada pela BBC Brasil.
“A Marielle era uma mulher negra que incomodava. Incomodava a elite, incomodava o mundo masculino, os políticos. Depois do que aconteceu, todo mundo começou a me ligar para falar para eu tomar cuidado. Nós não vamos nos calar, eles não vão nos amedrontar”, garantiu Benedita Silva, que atualmente é deputada federal.
O último artigo da vereadora foi primeira página no "Jornal do Brasil"
O “Jornal do Brasil”, que ao fim de oito anos começou a ser publicado de novo em papel desde 25 de fevereiro, deu na sexta–feira toda a sua primeira página a um artigo que Marielle Franco enviou para a redação horas antes de ser assassinada. Trata-se de uma reflexão sobre a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, ao fim de um mês da presença militar. A vereadora do PSOL fazia parte da comissão da câmara municipal de acompanhamento da intervenção federal.
“As últimas experiências mostram que a ocupação das forças armadas não resolveu o problema de insegurança. Inclusive, é importante que observemos os anos em que o exército é levado às ruas para ‘solucionar’ uma situação emergencial. O que há em comum não é um episódio alarmante na segurança, mas o fato de que são todos anos eleitorais”, escrevia Marielle Franco.
Neste “laboratório”, como lhe chamou o general que chefia a intervenção, “as cobaias são os negros e as negras, periféricos, favelados, trabalhadores”, dizia, porque “a vida das pessoas não pode ser experimento de modelos de segurança”.