O advogado são-tomense que representou a empresa que contratou o ex-procurador Orlando Figueira, a Primagest, garantiu hoje em tribunal não saber quem é o real detentor da mesma. N’Gunu Tiny disse que no processo de venda da empresa de engenharia Coba à Primagest representava enquanto advogado o Banco Privado Atlântico e que terá sido a instituição bancária a tratar da procuração para que representasse a sociedade num determinado ato.
Esta testemunha era fundamental para se perceber se a Primagest estava ligada à Sonangol, como defende o Ministério Público, ou ao Banco Privado Atlântico e por isso ao seu presidente, o banqueiro Carlos Silva, como defendem os arguidos Orlando Figueira e Paulo Blanco.
O negócio da Coba surge no caso Fizz – em que Figueira é suspeito de ter recebido luvas do ex-vice-presidente de Angola para arquivar inquéritos – por ter sido importante para que a investigação concluisse que a Primagest estava ligada à Sonangol, de que à data era presidente Manuel Vicente.
Isto porque quando parte da empresa de engenharia portuguesa foi vendida às sociedades Primagest e Berkeley houve diversas trocas de email, alguns dos quais enviados pelo advogado são-tomense, que davam conta de que a Primagest estava na órbita da petrolífera estatal angolana.
Mas não é isso que defendem os arguidos, nomeadamente Orlando Figueira que diz ter sido convidado por Carlos Silva para sair do DCIAP, assinando mais tarde com a Primagest um contrato de trabalho – através do qual recebeu as quantias avultadas que para o Ministério Público não passam de luvas.
O sigilo e o negócio da Coba
Refugiando-se no sigilo profissional, que diz estar disponível para pedir o levantamento, N’Gunu Tiny disse não poder responder se a informação que deu por email aos vendedores, de que a Sonangol estava por trás da Primagest, era ou não verdadeira.
“Estamos a falar de 2011 e 2012, numa altura em que não havia tanta gente interessada em investir em Portugal. E foi no âmbito da estratégia negocial que foi referida a Sonangol como ligada à Primagest”, disse, sem adiantar se tal corresponde ou não à verdade.
Mas rematou que quem comprou sabia da verdade: “As partes sabiam quem estava a vender e a comprar. Quando foi efetuado o negócio, o meu entendimento é o de que era claro para as partes quem é que estava a fazer negócio”.
Tentou ainda explicar que o nome Sonangol era importante em qualquer negócio, porque dava força. “Se houver um investimento internacional eu gostava que a Sonangol participasse. Para aquilo que é a minha prática em Angola ou em países de economia social de mercado, com forte intervenção do Estado, quem empresta dinheiro precisa de ter garantia. E em Angola a melhor garantia que se podia dar era a da Sonangol”, contiunuou.
Perante o coletivo disse que a sua intervenção nas negociações durou menos de um ano e que ficou sempre com a sensação de que o interesse dos investidores angolanos era o currículo que a empresa portuguesa tinha na área das barragens.
Também não soube responder se o papel do banco que representava era o de financiador, nem tão pouco qual o possível beneficiário de qualquer financiamento que tenha vindo a acontecer.
Esconder a Sonangol
Mas se inicialmente se quis passar a ideia de que a Sonangol estava por trás da Primagest e dos investidores angolanos, com comunicados de imprensa que deram inclusivamente origem a notícias que constam do processo, houve um momento em que se pretendeu afastar tal referência.
Numa ata do conselho de administração da Coba, mostrada hoje à testemunha em tribunal, era referido que não se deveria mencionar o nome da Sonangol e que se alguém questionasse o que havia sido referido no passado sobre a Sonangol que se deveria dizer que era apenas “promotora” do negócio.
O Ministério Público considera que se tentou ocultar a ligação da Sonangol neste negócio da Coba, dado que para efeitos de financiamentos do Banco Mundial a relação com uma empresa do estado inviabilizaria o processo.
Angola não é a Europa
O advogado N’Gunu Tiny respondeu que não se pode analisar o negócio da Coba e o que foi dito sobre as ligações à Sonangol à luz da realidade europeia, lembrando que do outro lado está um país com características diferentes.
“Se se tiver em conta o ordenamento jurídico europeu compreendo que se possa considerar ilegal a ligação a uma empresa estatal, até pelo tratado de Roma, mas não se pode pensar que em Angola isso é assim. É legítima a intervenção do Estado, como é legítima a intervenção da Sonangol”, explicou, acrescentando que a Sonangol era aliás uma garantia.
“Foi o BPA que me remunerou”
Inicialmente, N’Gunu Tiny disse não se recordar de alguma vez ter representado a Primagest, mas após confrontado com a sua assinatura em documentação confirmou: “Se assinei é porque me foi passada uma procuração”. E adiantou que isso “não retira a verdade do que disse: que o [seu] cliente era o BPA e foi ele que [o] remunerou”.
Dizendo que agiu como representante da Primagest para um ato específico, sem que nunca tenha tido um mandato, afirmou desconhecer por completo o contrato que foi assinado entre esta sociedade e Orlando Figueira.
Também não adiantou nada sobre a ligação de outras pessoas a este negócio.
O ex-presidente do conselho de administração da Coba Ricardo Oliveira disse há dias em tribunal que o negócio da venda se começou a desenhar-se durante uma viagem a Lisboa do general Lopo do Nascimento e que ficou com a sensação que a Sonangol é que estava por trás: “Lopo do Nascimento mostrou-me interesse e eu disse-lhe que se em Angola arranjasse um grupo de prestígio interessado em comprar uma participação qualificada, analisaríamos a questão”.
Mas sobre Lopo do Nascimento, N’Gunu Tiny disse que nunca o representou.
“Posso colaborar mas não fazer o trabalho do tribunal”
Quando questionado pelo coletivo, numa das várias insistências sobre o real beneficiário da Primagest, o advogado são-tomense sugeriu que havia forma de o tribunal perceber se quem estava por trás da Primagest era a Sonangol.
“A Sonangol nessa altura era acionista de empresas cotadas em bolsa [em Portugal], como acionista direta (de referência) de uma [Millennium BCP] e indireta de outra [Galp]. Nessa altura a lista de empresas que [a Sonangol] controlava tinha de ser pública ou semi-pública”, disse, concluindo: “Há coisas que eu tenho dito para ajudar ao enquadramento da verdade, mas não posso fazer o trabalho do tribunal”.