Esta fotografia, que a Francisca me enviou, declara perentoriamente: «Nos bolsos dele estão os teus sacrifícios». E, de seguida, nomeia um conjunto de pessoas, desde um presidente de um banco a donos de cadeias de supermercados, passando por um acionista de uma gasolineira. Mais do que as pessoas individuais, o que importa é aquilo que representam – o conjunto de homens que enriqueceram com negócios em que todos nós gastamos dinheiro.
Ora, ao despendermos dinheiro que ganhamos, e que, para uma grande parte da população, representa sacrifícios e salários muito baixos, acabamos por estar a entregar este nosso sacrifício para encher os «bolsos dele[s]», exasperados com a dúvida que assalta Álvaro de Campos: «Quando é que despertarei de estar acordado?».
Trata-se de uma crítica social particularmente forte e acutilante, de uma revolta pelo fosso que separa os vários grupos da população, pela injustiça de haver vidas de sacrifício e vidas facilitadas, pessoas com o privilégio de usufruírem da vida e pessoas com o castigo de a suportarem. No fundo, trata-se da diferença entre «um estômago senil que só / engorda / arrotando riqueza acumulada» (nas palavras de Ary dos Santos) e o daqueles que, nas palavras de Daniel Faria, estão «Desempregados das suas vidas».
Ora, não quer isto dizer que a vida de quem muito trabalha e pouco ganha tenha forçosamente de ser infeliz. Muitas vezes não o é. Com o pouco que têm, as pessoas conseguem alcançar níveis de felicidade inigualáveis, porque, obviamente, não é o dinheiro que garante a felicidade, mas a capacidade interna de ver o mundo com um olhar positivo, valorizando os pequenos «nadas» quotidianos. Como diz Miguel Torga: «A vida é feita de nadas / (…) / De ver esta maravilha: / Meu Pai a erguer uma videira / Como uma Mãe que faz a trança à filha». São as atividades do quotidiano, realizadas com amor e dedicação, que dão à vida o essencial. É a vida interior que conta e não a ostentação do luxo ou dos bens materiais. Estes, muitas vezes, servem até de travão à felicidade, porque tornam permanentemente insatisfeitos aqueles que muito possuem e querem sempre mais.
É óbvio que é muito difícil ser feliz quando as necessidades básicas não estão asseguradas. Mas, como o documentário «Human», do francês Yann Arthus-Bertrand, exibido na RTP em 2016 e disponível no Youtube, nos demonstra, as pessoas (e são entrevistadas 2000 pessoas de 60 países) precisam de mesmo muito pouco para serem felizes – basta que chova na época das chuvas, que os filhos os vão visitar, que o vizinho não atrapalhe a vida, ou, como afirma uma das pessoas entrevistadas: «há muitas felicidades e no fundo só há uma: você está vivo, logo é feliz!»
Ora, o que importa, pois, é estar vivo e, em vez de sonhar com uma vida impossível, viver os nossos sonhos.
Maria Eugénia Leitão
Escrito em parceria com o blogue da Letrário, Translation Services