Vaticano. Carta de Bento XVI leva à demissão de diretor de comunicação

Críticos do Papa Francisco consideram que ação de Dario Vigano é mais uma demonstração de censura do pensamento do Papa emérito

A notícia foi avançada pelo gabinete de imprensa da Santa Sé: monsenhor Dario Vigano pediu demissão do cargo de diretor de comunicação do Vaticano e o Papa Francisco aceitou, “com muito esforço”. Tanto foi o esforço que o sumo pontífice decidiu nomeá-lo para o cargo de assessor para o departamento de comunicação, dentro da mesma direção, de modo a poder contar com a sua “contribuição humana e profissional” na reforma do setor de média da Santa Sé.

Vigano foi convidado a demitir-se por causa da leitura de passagens de uma carta de Bento xvi a Francisco que era para ser privada. No lançamento, a 12 de março, de um conjunto de 11 livros sobre a teologia de Francisco, o diretor de comunicações citou Bento xvi quando este rejeita o “preconceito estúpido” daqueles que criticam os ensinamentos do seu sucessor.

O agora ex-diretor de comunicação divulgou até uma foto da primeira página da carta, junto com os 11 livros, mas o último parágrafo está desfocado. Ora, nessa passagem, Bento xvi mostra-se particularmente irritado pela escolha do teólogo alemão Peter Hünermann para escrever um dos volumes, alguém que, segundo ele, “conduziu iniciativas antipapais” durante o seu pontificado (2005-2013).

Na sua carta de demissão enviada a Francisco, Vigano refere- -se à controvérsia em torno da sua ação de relações públicas que acabou por ser contraproducente e explica que deixa o cargo por respeito às pessoas com quem tem trabalhado ao longo destes anos e para evitar que as reformas comunicacionais em curso no Vaticano sejam “atrasadas, prejudicadas ou mesmo bloqueadas”, caso insistisse em continuar no cargo.

Rebentada a polémica, a Secretaria de Comunicação da Santa Sé acabaria por divulgar na íntegra o texto de Bento xvi para tentar contrariar as críticas de censura, explicando que “da carta, reservada, só se leu o que se considerou oportuno e relacionado apenas com a iniciativa, em particular aquilo que o Papa emérito afirma sobre a formação filosófica e teológica do atual pontífice e a união interior entre os pontificados, deixando de lado algumas anotações relativas a colaboradores da coleção”.

A direção de comunicação sublinhava que “a opção foi motivada pelo caráter reservado [da missiva] e não por nenhuma tentativa de censura”.

Embora o comunicado tente retirar peso à ação de Vigano, a verdade é que a utilização para fins promocionais da carta é vista como uma violação da confiança de Bento xvi, que havia sido convidado a escrever uma introdução para a coleção e nela se desculpava porque o facto de não ter tido tempo para ler todos os volumes o impedia de aceder a esse pedido.

Ainda nem dois meses passados da publicação de um documento onde o Papa considera as notícias falsas como satânicas, que espalham a arrogância e o ódio, ter o Vaticano apanhado a ler apenas as partes convenientes de uma carta não parece ajudar nada à difusão dessa mensagem.