O palmarés formaliza a importância de Steven Bochco para a televisão americana e a influência desta na ficção produzida em todo o mundo. Trinta nomeações para os Emmy e dez prémios. O produtor e argumentista sofria de leucemia há vários anos e em 2014 recebeu um transplante que lhe deu quatro primaveras adicionais. No domingo, morreu durante o sono. Tinha 74 anos. “Steven lutou contra o cancro com força, coragem, graça e um sentido de humor insuperável”, recordou a família, com quem esteve até ao último batimento, em comunicado.
Muito antes do surto atual de séries e da transferência de interesse do cinema para a televisão, Bochco criou alguma da ficção mais popular do pequeno ecrã. Séries como “A Balada de Hill Street”, “A Balada de Nova Iorque” e “O Menino Doutor” nasceram das suas mãos. Popularidade, longevidade e troféus fizeram da primeira um símbolo mas foi em ”A Balada de Nova Iorque” que fixou os limites da ficção televisiva ao conscientemente mostrar o corpo como ele não fora exposto até então. Nas reuniões com Robert Iger, então timoneiro da “ABC Entertainment” e mais tarde o patrão da Disney, fez questão de desenhar corpos sem roupa para determinar que partes seriam expostas.
Depois de ter assinado pela “MTM”, em 1978, escreveu “Turnabout” e “Paris”. Esta voltou a redefinir parâmetros ao reservar o papel principal para James Earl Jones, quando os atores negros ainda eram raros protagonistas. E em 1981, assinou com Michael Kozoll “A Balada de Hill Street”, maratona de 146 episódios que nasceu por necessidade e colou ao ecrã uma geração. “Tínhamos tantas personagens que percebemos que era impossível servir dez ou onze dentro dos limites de um episódio. A única forma de poder fazer justiça à dimensão deste universo era criar histórias que se espalhassem através das margens”, explicava. A série centrava-se então em narrativas paralelas construídas sobre temas controversos. Um novelo provocador do tipo de especulação que mais tarde seria alimentada em fóruns de Internet e grupos de discussão em rede. E embora séria e corajosa ao expor os buracos da rede policial, continha um sentido de humor refinado. Decisiva na época, “A Balada de Hill Street” foi repetida até à exaustão durante cerca de vinte anos.
Bochco adorava testar os limites da censura pública e não se furtava às polémicas. As divergências com David Caruso levaram o ator a abandonar “A Balada de Nova Iorque” – um duro revés sucedido ainda na primeira temporada.
O sucesso estrondoso trouxe um convite para dirigir o entretenimento da “CBS”. Recusou para assinar um contrato de dez novas séries com a “ABC”. E aí soube o que é andar na montanha-russa, conciliando a visão de “Murder One (1997) com o monumental falhanço de “Cop Rock”, um fracasso à altura da ambição de um meio-policial, meio-musical, que elaborava um diálogo entre o imaginário de “A Balada de Hill Street” e as canções de Randy Newman.
Três anos após, “A Balada de Nova Iorque” desafiava de novo a moral, os costumes e…a nudez. De novo, Bochco no centro do tsunami ao discordar da “ABC” em relação aos limites “físicos” da série. Não cedeu e a estreia foi adiada um ano. Ainda escreveu “Over There”, de 2005, sobre a guerra do Iraque; ou “Raising the Bar”, de 2008, sem o mesmo grau de reconhecimento mas ainda capaz de marcar a agenda.
Filho de uma pintora e de um violinista virtuoso, seguiu o caminho das artes e estudou teatro. Concluída a formação académica, mudou-se de Nova Iorque para Los Angeles. Graças a uma bolsa conquistada na faculdade, começou a trabalhar nos estúdios da Universal. Participou na escrita das séries “The Counterfeit Killer” e “Silent Runner” e em 1969 assinou a primeira série – “The Bold Ones: The New Doctor”. Em paralelo, escrevia o argumento do primeiro episódio de “Columbo” – série de detetives protagonizada por Peter Falk – realizada pelo velho amigo e talento ainda emergente Steven Spielberg. E o resto não foi ficção mas acabou nos livros.