Os adeptos da prática chamam-lhe ‘jogo de cintura’, os mais eufemísticos podem chamar-lhe ‘flexibilidade’ e os fãs de António Costa chamar-lhe-ão ‘brilhantismo’. Para os críticos, desde a quebra de tradição constitucional em 2015, nunca terá deixado de chamar-se ‘chico-espertice’. Eu, pessoalmente, confesso que ainda não percebi muito bem. O atual primeiro-ministro foi, à velocidade da luz, de apoiante de Alexis Tsipras e do seu então muito eurocético Syriza (’É um sinal’) para publicamente ‘alinhado’ com o ímpeto reformista de Emmanuel Macron no que à União Europeia diz respeito. Enquanto na oposição, não teve medo de radicalizar para se distinguir; enquanto Governo, não teve medo de moderar para se instituir. O situacionismo de Costa foi evidente, prático e até racional. Não houve, realmente, uma primavera europeia com o extremismo grego ou com o federalismo francês. Mas a aparência dessa primavera, tanto no primeiro quanto no corrente, existiu como moda popular. Costa, até agora, esteve sempre com essa moda. Se foi ‘jogo de cintura’ ou ‘chico-espertice’, continuo a não saber.
Tendo sido pragmatismo, é por aí que se poderá tentar explicar o facto de Portugal não estar ao lado do Reino Unido, da União Europeia, dos Estados Unidos e da NATO contra um ataque químico em solo britânico. O Governo português subscreveu as conclusões do Conselho Europeu sobre a culpabilidade de Moscovo e não rejeitou a posição da aliança atlântica, mas decidiu, ao contrário dos restantes, não expulsar qualquer diplomata russo do seu território. Se a proximidade à Federação Russa no quadro multilateral é conhecida e tem dado frutos e se a influência do Kremlin em regiões carregadas de interesses portugueses (como Angola e a Venezuela) é indesmentível, houve mais do que isso na decisão do Palácio das Necessidades. Portugal agiu por antecipação, na medida em que prevê que a sua relação bilateral com a Rússia crescerá em importância, não só económica como geoestratégica. Ora, essa antecipação não tem nada que ver com o situacionismo que costuma caracterizar a ação política de António Costa. O primeiro-ministro, desta vez, não usou a moda exterior em busca de benefício próprio: fez antes política externa em nome da sua visão do interesse nacional. E isso leva-nos à tal bonita pergunta (Costa já não é um situacionista?) e a outra, de beleza mais questionável.
Para a nossa relação bilateral com Moscovo crescer em importância – isto é, estender-se além da amizade diplomática e de acordos nas Nações Unidas -, que ordem internacional antecipa o Governo que seja substituída? A atlântica, com a Casa Branca mais preocupada em sobreviver à China do que em fazer viver o Ocidente? A europeia, cujo Brexit pode não ter sido a última saída? Ou mesmo ambas? A verdade é que não sabemos. Na Comissão dos Assuntos Europeus, ouvimos a secretária de Estado dizer que estamos «em guerra comercial» com a América e que Salisbury foi somente «um incidente russo». De facto, os incidentes acontecem. Mas as guerras escolhem-se.