Lula da Silva diz que dormiu bem a sua primeira noite na prisão. Assegura-o o seu Partido dos Trabalhadores (PT), que este domingo publicou uma nota de imprensa afirmando que o ex-presidente “dormiu tranquilamente e não foi maltratado pelos agentes do local”. Há versões contrárias, como seria de esperar. No Brasil, hoje, há sempre contraditório para tudo o que diz respeito a Lula. O jornal “O Globo” escrevia, por exemplo, que Lula, na verdade, passou uma “madrugada mal dormida”.
Despertou, segundo o enviado especial em Curitiba, preocupado com os seus exercícios matinais. A cela é maior que as dos reclusos regulares, como está previsto na lei brasileira, e reservada habitualmente a advogados, ex-governantes e pessoas detentores de grau do ensino superior. Mas não é tão grande que seja possível a Lula fazer a sua habitual ginástica da manhã. Tem apenas 15 metros quadrados, divididos entre cama, cadeira, armário embutido, um curto corredor e uma pequena casa de banho. Tem água quente, mas apenas pode exercitar-se nas duas horas que lhe oferecem de sol, no pátio, sem máquinas, longe dos outros reclusos, mesmo os da classe especial, e acompanhado, como será a partir de agora, talvez por 12 anos e um mês, por um guarda.
Lula está preso, mas não está sozinho. Este domingo esperavam-se em Curitiba dezenas de autocarros com apoiantes, sobretudo do Movimento dos Sem Terra e da Central Única dos Trabalhadores. Querem recordar ao ex-presidente que o não vão enterrar e que ainda têm esperança de que saia em breve do edifício da Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, onde aterrou de helicóptero no sábado à noite. Até a esta quarta, prometem, milhares de pessoas ficarão em vigília, fora do perímetro de segurança montado de sábado para domingo.
Esperam o dia em que Marco Aurélio Mello, magistrado do Supremo Tribunal, pedirá à máxima instância que decida se condenados em segunda instância com recursos ainda em aberto podem ser presos, como aconteceu com Lula e como a Constituição brasileira parece rejeitar. Pode não haver decisão nesse dia, ou mesmo debate, mas, a votar-se, é concebível que o mesmo tribunal que na semana passada rejeitou o habeas corpus do ex-presidente em liberdade decida que Lula – e todos os que estão na sua situação – podem sair em liberdade. Os movimentos afirmam também que está marcada uma greve para esse dia. “Haverá manifestações todos os dias até quarta-feira, quando pretendemos fazer uma grande jornada de paralisação para pressionar o judiciário para que conceda liberdade a Lula”, garante Roberto Baggio, dirigente do Movimento dos Sem Terra.
A noite de sábado foi violenta mas, por enquanto, o Brasil evita o caos nas ruas. Lula assistiu de perto à comoção, no momento em que descia do heliporto do edifício da Polícia Federal, sob o fogo-de-artifício dos que festejavam a sua prisão e o gás que as autoridades disparavam contra a multidão que a contestava. Entregara-se horas antes em São Paulo, com um dia de atraso sobre a data-limite exigida pelo magistrado Sérgio Moro. “Já não sou um homem, sou uma ideia”, disse na tarde de sábado à multidão que se reunira em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Paulo.
Tentou sair uma primeira vez, mas o mar de apoiantes não deixou. Deitaram abaixo o portão, prometeram não abrir mão do presidente mais transformador e popular da história democrática do Brasil. Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, teve de convencê-los de que a rendição já estava negociada com a polícia e que o melhor seria Lula partir. O seu futuro, lembrou então, ainda não está arrumado. Continua a ser candidato, como garantia este domingo o partido, dizendo que cabe aos tribunais tirá-lo da corrida.
Oito pessoas ficaram feridas no sábado à noite, algumas com a detonação de pequenas bombas cujos estilhaços feriram braços e pernas, embora sem muita gravidade. A polícia afirma que os explosivos pertenciam aos mesmos apoiantes do ex-presidente que ficaram feridos, mas estes dizem que foram atirados pelo grupo, menos numeroso, anti-Lula que se encontrava por perto. Este domingo, com um perímetro de segurança novo, mais alargado, o clima aproximava-se mais do luto e menos de um protesto violento.
Entre os autocarros que chegavam quase sem interrupção a Curitiba, os jornalistas fotografavam, no voraz aparato criado à volta do primeiro presidente brasileiro no cárcere, uma carrinha branca que transportava a comida do dia para os reclusos. “O Globo” abriu a cortina: para Lula, café e pão com manteiga ao pequeno-almoço; feijoada com carne ou macarrão para o início da tarde. À hora de fecho desta edição procurava-se, com alguma urgência, saber a ementa da noite.