Os eletrodomésticos foram feitos para durar pouco e não serem reparados?

Os eletrodomésticos parecem hoje durar menos do que antigamente e as reparações normalmente não compensam. O tema é polémico, mas há quem acuse os fabricantes de produzirem aparelhos com data de validade

“A minha primeira máquina de lavar durou 20 anos. A nova só durou cinco.” “A minha televisão avariou e a reparação é mais cara do que comprar uma nova.” Já todos ouvimos ou pensámos isto. Apesar dos avanços tecnológicos, hoje em dia, os eletrodomésticos parecem durar menos do que há algumas décadas. Será que se trata de uma consequência dos tempos modernos ou do resultado de uma estratégia das marcas de equipamentos eletrónicos?

Há inúmeros exemplos que parecem mostrar que os eletrodomésticos têm hoje uma esperança de vida menor. A eng.a Sílvia Menezes, da DECO, indica vários fatores que levaram à formação dessa ideia.

Primeiro, a especialista aponta uma mudança cultural. “Até há uns anos era impensável que, quando avariava um dos nossos eletrodomésticos, nós não procedêssemos a uma reparação”, afirma. Por outro lado, hoje em dia, o pensamento mais comum é acharmos que a reparação vai ser cara e que conseguimos comprar um equipamento novo por um preço que valha a pena.

Na verdade, na maioria das vezes, nem chegamos a pedir orçamentos para a reparação. A engenheira explica que isso é uma prática errada: em muitos casos, “provavelmente, a reparação ainda compensa”.

A especialista da DECO refere que, através dos estudos feitos pela organização, não é possível concluir que os eletrodomésticos durem menos atualmente. “Sabemos é que as pessoas os substituem mais rapidamente, o que não significa que não pudessem ser arranjados”, acrescenta.

João Dias, que trabalha numa loja de eletrodomésticos em Lisboa há já alguns anos, não tem a mesma ideia. O vendedor afirma, com certeza, que os eletrodomésticos duram menos hoje em dia. “Não é um mito”, esclarece. 
Pensando no exemplo de um frigorífico, o comerciante refere que “antigamente durava entre 20 e 30 anos”. Hoje “dificilmente dura mais de 15.”

Quem não tem tantas certezas é Wilson Camilo, que repara eletrodomésticos há quase 40 anos. Wilson afirma que a durabilidade dos eletrodomésticos depende da marca e do fabricante. “Há eletrodomésticos mais baratos que têm uma durabilidade menor e outros mais caros que têm uma durabilidade maior”, explica o técnico.

Reparar ou não reparar?

João Dias refere que muitos dos seus clientes continuam a pedir orçamentos para as reparações dos equipamentos avariados. “Normalmente, as marcas dão orçamentos muito altos e as pessoas acabam, em 80% dos casos, por comprar um eletrodoméstico novo”, revela.

O vendedor afirma que as reparações não são mais caras do que comprar um aparelho novo, mas a diferença é tão pequena que os consumidores já não querem investir no arranjo e, por via das dúvidas, preferem adquirir um produto novo.

Neste aspeto, Sílvia Menezes concorda e admite que efetivamente há casos em que a reparação de um equipamento avariado já não compensa.

A especialista explica que, hoje em dia, a esmagadora maioria dos eletrodomésticos não são feitos na Europa, mas sim em países com mão-de-obra barata, como a China ou a Coreia. É exatamente por isso que atualmente conseguimos comprar uma máquina de lavar ou um aspirador por um preço relativamente baixo. O problema é que, quando avariam, os equipamentos não são reparados nos países onde foram produzidos. São reparados na Europa, onde o preço da mão–de-obra é mais elevado.

“Temos uma guerra injusta. É por isso que a reparação acaba por não ser, em termos financeiros, tão apelativa e as pessoas são levadas a comparar o preço de uma reparação com a compra de um eletrodoméstico novo”, refere a engenheira.

A crescente complexidade dos equipamentos eletrónicos também contribui para o aumento do custo das reparações. Sílvia Menezes indica que, durante muitos anos, uma máquina de lavar roupa, por exemplo, era essencialmente mecânica e de funcionamento bastante simples. “Apenas era possível baixar ou aumentar a temperatura com um programador. Quando avariava, quando muito era substituído o programador.”

Com os avanços tecnológicos, os equipamentos são cada vez mais complexos e, consequentemente, possuem peças mais caras. “Quando os eletrodomésticos atuais avariam, é muito mais dispendioso substituir componentes do painel, do programador ou do sistema eletrónico do que era antigamente. Isto faz aumentar muito o preço da reparação e não a torna convidativa.”

O técnico de reparações Wilson Camilo levanta ainda outra questão: hoje em dia já praticamente não existem peças para os eletrodomésticos mais antigos. Já não são fabricadas. “Antigamente, um eletrodoméstico durava anos no mercado porque não havia uma nova inovação, um novo modelo. Hoje, o prazo para ter acesso a uma peça de fabrico para um determinado equipamento é de cerca de cinco anos. Se hoje comprar um eletrodoméstico, o mais provável é que daqui a cinco anos já não haja peças para esse aparelho caso avarie”, alerta o técnico.

“Obsolescência programada”

O tema é polémico, mas há quem acuse os fabricantes de eletrodomésticos e equipamentos eletrónicos de “obsolescência programada”, ou seja, de desenvolverem propositadamente os produtos para que, ao fim de algum tempo, se tornem obsoletos, com o objetivo de forçar o consumidor a comprar um novo.
Sílvia Menezes, afirma que, de facto, os aparelhos se tornam obsoletos, referindo contudo que não há provas de que sejam programados para isso. “O termo ‘obsolescência programada’ é um termo que nós nunca poderemos provar. Pelo menos, a parte de ser programada”, explica.

Ainda assim, a especialista da DECO revela que há práticas dos fabricantes que fazem com que os aparelhos durem menos tempo. Prova disso é que muitos dos materiais usados hoje em dia não são adequados. “A maior parte dos materiais que são utilizados atualmente são plásticos. Estamos a falar de componentes que, até há algum tempo, eram de metal”, explica Sílvia Menezes.

As marcas optam por materiais mais leves e mais baratos, como o plástico, que têm uma resistência menor e, muitas vezes, são desadequados. Por exemplo, numa máquina de lavar roupa, que trepida muito com a centrifugação, é natural que o plástico não seja tão resistente como o metal. Ou no caso dos aspiradores, que é necessário pôr e tirar a escova ou encaixar e desencaixar o tubo, o plástico é mais suscetível de partir.

“O uso de materiais mais leves e mais baratos nem sempre é compatível com o esforço a que as peças estão expostas durante o uso do aparelho”, esclarece a engenheira.

O vendedor de eletrodomésticos João Dias também afirma que os materiais usados antigamente eram melhores. “Neste momento, com a concorrência os preços baixaram, o que também fez baixar a qualidade dos equipamentos.

Não é possível manter a mesma qualidade dos componentes ao baixar tanto os preços”, afirma o vendedor.

Wilson Camilo confirma a ideia de que os eletrodomésticos são cada vez mais frágeis, dizendo que “os ferros e metais deram lugar aos plásticos”. O técnico de reparações dá como exemplo um ferro de engomar: “Antigamente era mais robusto, por ser fabricado com um material melhor. Hoje em dia é feito com materiais plásticos e, por isso, não é tão durável”.

Além da escolha dos materiais, há ainda a maneira como os equipamentos são montados. Sílvia Menezes refere que alguns fabricantes produzem eletrodomésticos que são difíceis de desmontar, de forma a dificultar a reparação.

“O ideal é que o eletrodoméstico possa ser desmontado com facilidade para que se consiga retirar o componente que está avariado e substituí-lo por um novo”, explica a especialista da DECO.

O tema do “ecodesign” é cada vez mais discutido e existe mesmo um regulamento da Comissão Europeia que convida todos os fabricantes a conceberem os seus equipamentos de forma a que sejam facilmente desmontáveis e reparáveis em fim de vista, com o objetivo final da reciclagem dos vários componentes. Sílvia Menezes afirma que, infelizmente, ainda poucos fabricantes estão atentos a esta questão.

A ideia base do “ecodesign” é que um eletrodoméstico avariado possa ser desmontado e os componentes estragados possam ser reciclados. Já os componentes que ainda estejam em bom estado devem ser reutilizados.

Para a especialista da DECO, um mercado de peças em segunda mão era o ideal. “Assim, o consumidor quando precisasse de comprar uma peça para reparar um eletrodoméstico podia optar por comprar uma peça nova ou uma peça já usada e com um preço mais baixo”, explica Sílvia Menezes.

O técnico de reparações Wilson Camilo afirma que o próprio consumidor pode fazer dinheiro com os eletrodomésticos avariados. “Com os equipamentos mais pequenos e simples – como um aspirador, por exemplo – não, mas os eletrodomésticos de maior dimensão é possível fazer negócio”, esclarece.

O reparador garante que muitas pessoas vendem os equipamentos que não funcionam em sites de vendas na internet. “Como já existem poucas peças antigas, há quem queira aproveitar as peças que ainda estão em bom estado”, explica Wilson Camilo.

Reciclagem

Caso não queira vender e o objetivo seja apenas desfazer-se dos eletrodomésticos antigos, deve encaminhá-los para canais próprios, que garantam o seu tratamento.

Em Portugal, Rosa Monforte, diretora geral da European Recycling Platform (ERP) Portugal, afirma que há os Depositrão (contentores disponíveis em mais de 2500 pontos de recolha, como lojas, escolas, espaços públicos e empresas), os centros de receção e as lojas de equipamentos eletrónicos onde é possível fazer a “troca do velho pelo novo”.

Após a recolha nestes pontos, os eletrodomésticos avariados seguem até à fase de consolidação/triagem, ou seja, a separação por grupos e materiais, e posterior reciclagem.

O resultado final é o tratamento das substâncias nocivas que possam estar no interior dos equipamentos e a reciclagem dos materiais, que permite a obtenção de matérias-primas (como cobre, plásticos, vidro e metais como o alumínio ou cobre) para introduzir no fabrico de novos produtos.