Anda por aí muita gente encrespada porque uma empresa espanhola comprou o quarteirão da pastelaria Suíça: uma ofensa ao orgulho pátrio! Quem ouvir certos comentários até poderá temer que estejamos perante nova invasão de Castela, agora que está no trono um rei chamado Felipe!
Como quase todos em Portugal, também eu tive a minha fase anti-Espanha, por força do que aprendi na primária, não obstante o livro de História assegurar… que vencemos todas as batalhas. Só muitos anos depois fui além de Vigo, Badajoz e Ayamonte, e comecei a entender o especialíssimo modo de estar espanhol. Há quem lhes chame presunçosos, porque proclamam a sua Pátria a mais importante entre todas, outros dizem-nos arrogantes e, mesmo, rudes, mas apenas porque dizem na cara, e sem rodeios, aquilo que entre nós se prefere sussurrar pelas costas.
Em matéria de diferenças, é difícil esquecer que, nas mais tolas efusões da nossa revolução, o fado passou a ser fascista e Amália foi declarada proscrita. Dois anos depois, a Espanha mudou de regime e nem por um minuto os espanhóis deixaram de vibrar com o flamenco, as castanholas e os seus intérpretes mais genuínos.
Puro problema de caráter: ‘eles’ mostram o orgulho, ‘nós’ baixamos a cerviz. Mesmo nas touradas, aprecie-se ou não o género, em Espanha homem e touro enfrentam-se, com a certeza de que um deles derrotará o outro. Entre nós, brinca-se com o bicho e, no final, saem ambos ‘vencedores’.
Desenvolvendo as comparações, dei por mim a compreender melhor o que Almada Negreiros quis dizer quando escreveu: «Se o Dantas (a tacanhez lusitana) é português, eu quero ser espanhol». E passei a ver com outros olhos realidades que não podem ser obra do acaso: em Espanha, nasceram a Telefónica, o Santander, o El Corte Inglés e a Zara, em paralelo, tivemos por cá a PT, o BES, os Armazéns do Chiado e a Maconde. ‘Eles’ tiveram engenho para fazer prosperar os seus campeões, ‘nós’ preferimos dar cabo dos nossos. Como diria o Solnado, ‘feitios’…
A diferença de atitudes radica num facto muito simples: ‘eles’ não têm complexos, nós temos inveja! A Espanha quer ser rica e poderosa, os portugueses preferem a humildade que Salazar recomendava. As mais de 7.000 lojas da Zara, espalhadas por todo o mundo, remetem para o Império, não importando se o ‘Imperador’ dá, agora, pelo nome de Amâncio Ortega e já não de Carlos V. Não consta que, em Madrid, se façam contas aos milhões que a Zara ou Rafael Nadal ganham por dia, hora ou minuto, mas, se alguém o fizer, é para comprovar a grandeza espanhola.
A Espanha teve uma guerra civil que a deixou de rastos, mas encontrou energias para se reerguer. Em 2008, veio uma crise que devastou, por igual, os países do Sul da Europa. Passados dez anos, as empresas espanholas estão mais saudáveis e fazem compras por todo o mundo, enquanto nós vendemos o que resta das ‘joias da família’.
Podemos culpar os espanhóis por terem dinheiro para comprar o que nós somos obrigados a vender? Ou o problema só se coloca quando são os espanhóis a comprar?