Os primeiros episódios de “Naked Attraction” receberam na Nova Zelândia uma série de queixas de espetadores apelidando o programa de pornográfico e levaram a entidade que regula a radiodifusão a recomendar à produção que tornasse mais específico o alerta de tratar-se de um programa para adultos.
No Reino Unido, o Channel 4, que criou o programa, está já a preparar uma terceira temporada e um modelo só para celebridades (e até já vendeu os direitos para a Alemanha). Há oito meses, Orietta Lorenzini ainda tentou fazer uma petição online contra o programa porque “julgar um ser humano numa caixa de vidro pela aparência da sua genitália não é mensagem que devemos transmitir às gerações futuras”. Não foi bem-sucedida: ao fim deste tempo todo, conseguiu apenas 30 das 100 assinaturas que pretendia recolher.
Excetuando a mensagem para as gerações futuras, algo que não está dentro do espírito de um programa de entretenimento televisivo como este, Orietta Lorenzini descreve-o bem: o que temos são seis pessoas dentro de caixas de vidro e um ou uma concorrente a escolher alguém para sair apenas pelo corpo. Sendo a cara a última coisa que se vê, percebe-se que o principal é a pura atração física. A promoção do programa diz que pretende começar por onde normalmente termina um bom encontro, com as duas pessoas nuas.
“Não estamos no plano da pornografia, nem sequer do erotismo. Estamos no plano da carne”, afirma Luísa Jeremias, diretora da “TV Guia” e do site Flash!. “Fala-se do corpo – do tamanho ou inclinação do pénis, da depilação ou das tatuagens – como se se pedissem 250 gramas de carne picada. É tudo muito simples, básico. E isso pode chocar, mais do que ofender.”
O original britânico de “Naked Attraction” tem passado discretamente nas madrugadas da SIC Radical. Por estas alturas, já se pode ver a segunda temporada. E Pedro Boucherie Mendes, o diretor do canal, diz que não houve polémica nem queixas em relação ao programa que mostra nudez frontal e fala sobre os órgãos genitais, seios e rabos com a mesma naturalidade com que normalmente se fala sobre as feições de alguém.
Para Boucherie Mendes, trata-se de “um formato dentro do género social experiment” que “joga com as convenções da sociedade”. “Acho o programa uma ideia ovo de Colombo, é divertido e permite – a quem se der ao trabalho de pensar nisso – refletir se devemos julgar os outros pelas aparências.” É nitidamente, para o diretor da SIC Radical, um “programa deste tempo”, mas que “se tivesse aparecido a ideia há dez anos seria igualmente tolerado”.
“É uma excelente ideia porque agarra pelo choque”, afirma Luísa Jeremias. “Numa época em que as relações acontecem de uma forma muito virtual, em que muito se passa no plano irreal”, explica, “este programa devolve o corpo, o sexo e os relacionamentos a um estado puro. Chega a ser chocante de tão exagerado. É cru. E por isso é bom.” E vai mais longe: para a jornalista, “Naked Attraction” “é quase um documentário do ‘National Geographic’”.
Vivemos numa época de contrastes, como sublinha Luísa Jeremias, “as redes sociais ‘castigam’ referências sexuais, porém nasceram e cresceram dependentes do sexo”, e aquilo que “Naked Attraction faz “é desconstruir esta atitude”. E é exatamente por isso, diz a diretora da “TV Guia”, que seria “impossível fazer um programa deste formato em Portugal”.
“Dificilmente teríamos concorrentes. Apresentador, até imagino um ou outro a aceitar. Mas o problema maior não seria o dos concorrentes ou apresentador, mas sim a cabeça – a cabeça dos espetadores para aceitar algo tão drástico, tão direto, em televisão”, explica a jornalista, que tem uma longa carreira a escrever sobre televisão.
O que aconteceria é que “rapidamente seria confundido com pornografia ou algo do género”, acrescenta Luísa Jeremias. E porquê? “Francamente, acho que ainda não estamos preparados para certos formatos, não por não poderem ser seguidos ou captarem audiências, mas porque parece mal. Somos moralistas à boa maneira facebookiana”, gostamos mesmo é de “públicas virtudes”.
Na SIC Radical, a versão britânica foi incluída na grelha como gancho de audiências para o canal, admite Boucherie Mendes: “Programas como este podem, obviamente, funcionar como chamariz para que os espetadores fiquem pelo canal e possam aperceber-se de que há outros programas de que podem gostar.” Porque, de forma simples, “é da natureza humana ser atraído pela nudez alheia”. E a julgar pelo “ligeiro acréscimo de audiência”, confirma-se.
A única mulher vestida num sítio que se promove com nudez
Heterossexuais, homossexuais, bissexuais, transgénero, “Naked Attraction” está aberto a todas as sexualidades e procura acertar nas escolhas para cada um dos concorrentes. A única coisa que não está a nu no programa é mesmo a apresentadora, Anna Richardson, conhecida figura da televisão britânica, que defende o programa com a mesma intensidade com que se mantém vestida num programa onde a nudez está no centro.
“Deixei absolutamente claro desde o princípio que nunca me iria despir”, sublinhava a apresentadora numa entrevista ao próprio Channel 4. Apesar de “aplaudir e admirar” todos aqueles que aparecem no programa completamente ao natural, “nunca teria a coragem de o fazer”.
“Como muitas pessoas, sinto–me desconfortável com algumas partes do meu corpo, especialmente as minhas mamas, porque são muito grandes. Sinto-me bem com tudo o resto, mas sentir-me-ia muito desconfortável em relação aos meus seios”, contava na altura.
Mesmo tendo em conta que a maior parte das pessoas surgem à frente das câmaras durante o programa tal como vieram ao mundo, ninguém conseguiu convencê-la a fazer o mesmo para apresentar “Naked Attraction”.
Curiosamente, em 2015, para fazer uma reportagem sobre pornografia de vingança para o Channel 4, a jornalista e apresentadora, com ajuda da sua produtora, despiu-se e colocou as suas fotografias nua num site especializado em imagens e vídeos para amantes despeitados se vingarem dos seus ex-parceiros.
“Não foi fácil”, contava então ao “Daily Mail”. São imagens “cândidas, cruas e explícitas. Mas depois de uns quantos gins, eu e a minha produtora atirámo-nos de cabeça. Nua na minha cama, posei para uma série de instantâneos tirados com o seu telemóvel, enquanto ríamos nervosamente perante a natureza surreal do processo.”
Dois dias depois de fazer o upload das fotos já tinham mais de 40 mil visualizações e muitos comentários de gente criticando o corpo da jornalista, então com 44 anos.
“Sei que o meu corpo está muito longe da estética da boneca Barbie”, mas muitos homens não hesitaram em tornar isso muito explícito. Um chegou mesmo a usar a palavra “repugnante”. A maioria, porém, entreteve-se a comentar as várias formas como abusariam dela – “descrevendo pormenorizadamente como iriam fazer-me sofrer”, explicava.
Alemã de origem cabo-verdiana Na versão alemã do programa, emitida o ano passado, também a apresentadora, Milka Loff Fernandes, filha de cabo-verdianos, se mantém vestida o tempo todo. Aos 37 anos e com dois filhos, a antiga modelo e apresentadora do canal de música Viva garante que lhe interessa o formato do programa, mas não despir a roupa para apresentá-lo. Só há mesmo uma coisa que a apresentadora gostaria de fazer nua, para sentir a falta de gravidade: “Sempre quis saber como se comportariam os meus seios no espaço.”