O governo quer pôr fim à necessidade de cauções e fiadores no mercado de habitação através da criação de um seguro, já negociado com as empresas do setor. O anúncio foi feito ontem na comissão parlamentar da Habitação pela secretária de Estado da Habitação. Ana Pinho foi chamada ao parlamento para esclarecer a situação dos moradores de três prédios em Santo António dos Cavaleiros, em Loures, propriedade da Fidelidade, que tenciona vender imóveis. Já no início do mês, a seguradora tinha anunciado em comunicado estar a “cooperar com a Secretaria de Estado da Habitação na criação de soluções de seguro”.
Desconhecem-se mais pormenores sobre como esta medida será implementada. A audição, que tinha à partida como foco a situação dos moradores de Loures, ganhou âmbito nacional, apesar de a sala estar repleta de moradores e contar com a presença do presidente de Câmara de Loures, Bernardino Soares. “Vivemos uma crise habitacional”, reconheceu a secretária de Estado – opinião partilhada pelos deputados da maioria que sustenta o governo. Para Helena Roseta, deputada independente pelo PS, a “precariedade habitacional” está a “deixar muitas pessoas numa angústia enorme”, atribuindo as responsabilidades à lei das rendas, aprovada em 2012 pelo executivo PSD-CDS. O mesmo sublinhou Rita Rato, deputada do PCP, que falou de uma “lei dos despejos” e reforçou a necessidade de revogar a legislação.
Sandra Pereira, do PSD, recusou as críticas. “Dois anos depois, já não serve de muito recorrer ao argumento de que tudo o que acontece é por causa da lei do arrendamento. Já houve tempo suficiente para apresentarem outra lei e para que fosse discutida”, ripostou. “Não vamos andar sistematicamente a passar culpas”, disse ainda.
Em resposta à deputada social–democrata, Roseta relembrou que o “compromisso de mudar o NRAU [Novo Regulamento de Arrendamento Urbano] está no programa de governo e ainda não foi cumprido”, acrescentando que, até à data, o PS “não assumiu a reforma profunda do NRAU”, mas apenas “reformas cirúrgicas”.
Rita Rato também relembrou que nesta legislatura já avançou com dois projetos para revogar a lei, mas que o PS não demonstrou interesse em fazê–lo. “O PS não quis revogar o mecanismo dos despejos. Que mais provas são necessárias para que o PS perceba que esta lei só tem um caminho, a revogação?”, questionou a comunista.
Já Jorge Costa, deputado do Bloco de Esquerda, referiu a ligação entre os despejos de Loures e a privatização da Fidelidade, apelidando-a de “crime económico da maioria que governou o país” no período anterior. “Se não fosse a opção da privatização, não estaríamos hoje perante a chantagem que os donos privados deste grupo podem exercer sobre os moradores e os poderes públicos”, explicou.
E os moradores, pá? No que aos moradores de Loures concerne, a secretária de Estado anunciou que a Fidelidade demonstrou abertura para “repensar a sua estratégia ao nível do património habitacional” e para “tentar perceber de que forma poderá enquadrar a sua nova estratégia no âmbito dos instrumentos que vamos anunciar publicamente ainda este mês”. Entretanto, e segundo a governante, a seguradora “ficou de não proceder a nenhum tipo de não renovação de contrato durante este período [duas semanas]”. “Poderemos eventualmente chegar a uma solução na qual toda a gente se reverá”, disse Ana Pinho. Questionada sobre os instrumentos que está a elaborar, a secretária de Estado remeteu para uma nova geração de políticas de habitação.
O anúncio da governante não a protegeu de críticas das bancadas parlamentares e, quase uma hora e meia depois de a audição ter começado, os ânimos subiram de tom. “Não vemos nada para além de palavras, intenções e diagnóstico. A secretária de Estado chega aqui e não apresenta medidas nenhumas”, criticou o deputado Álvaro Castelo Branco, do CDS-PP. “O diagnóstico dos despejos está feito, e agora? E a senhora secretária de Estado fala de medidas avulsas”, disse Rita Rato.
Em resposta, a secretária de Estado respondeu que os seus esforços junto da Fidelidade poderão dar origem a “uma solução que está neste momento a ser trabalhada” e que tem a “profunda esperança” de que as casas poderão continuar em arrendamento sem que tenham preços excessivos. “Enquanto não me for dito que a solução que considero ótima não pode ir para a frente, não irei colocar em cima da mesa cenários alternativos”, disse, sem avançar pormenores sobre a solução em negociação com a Fidelidade.
Para a deputada comunista, a seguradora agiu “desde o início com má-fé”, recusando-se a negociar os contratos com os moradores e a dar-lhes respostas antes de a situação ter ganho mediatismo. “A Fidelidade aparentemente recuou porque a sua política de responsabilidade social foi profundamente manchada com esta decisão”, disse.
Os moradores não saíram da audição satisfeitos. “Foi muito abordada a questão nacional, mas relativamente ao nosso caso parece que pode haver aqui alguma solução. Não conhecemos medidas concretas”, disse ao i Ana Rita Pires, membro da comissão de moradores. “Não sei até que ponto estas medidas apresentadas se aplicam ao nosso caso”, referiu. Os moradores, explicou, esperavam ainda que “existisse o compromisso de alterar esta lei tanto pelo grupo parlamentar do PS como pela secretária de Estado”, algo que não aconteceu.