É triste assistir ao final de um casamento, sobretudo de pessoas nossas amigas e ainda mais se acabar de forma feia. Antigamente fazia-me confusão como duas pessoas que tinham mantido uma relação próxima e feliz durante anos deixavam de se falar de um dia para o outro. Com o tempo tenho percebido que às vezes as relações se deterioram de tal forma e as pessoas fazem coisas tão más que podem ser imperdoáveis. Continuam no entanto a revoltar-me os casos em que, perante a separação, um dos membros do ex-casal usa o seu poder para impedir o outro progenitor de ver o filho.
Na consulta externa de um hospital onde trabalhei impressionou-me o número de casos que me chegaram de pais que tinham deprimido depois de lhes ser negado o contacto com o filho. Nenhum destes senhores apresentava qualquer risco para a criança, apenas tinha uma vontade extrema e legítima de estar com quem é tão seu como da mãe, além de uma tristeza e dor imensas. Do outro lado sim, parecia haver mães que, pelas suas atitudes egoístas, eram um risco para os filhos. Mães perturbadas que os usavam como retaliação da dor, zanga ou frustração que este casamento lhes tinha causado. Estes sentimentos quase irracionais superavam o bom-senso e levavam-nas a agir malevolamente sem entenderem que prejudicavam mais o próprio filho – muitas vezes também confuso e em sofrimento, na expectativa de ser apoiado e acarinhado por ambos – do que o ex-cônjuge, a quem estavam presas por um desejo de vingança.
Outras vezes é o pai o vingativo. Acompanhei um menino cujo pai certo dia aproveitou o fim-de-semana para o levar para outro país. A dor e o vazio da mãe eram desmedidos e só me faziam imaginar também a dor e desespero do filho inocente.
Os tribunais, na sua lentidão, pouco conseguem fazer. Chamam a atenção a quem está a agir em inconformidade que rapidamente volta a fazer o mesmo até à próxima longínqua audiência e assim se vão passando os anos numa relação cada vez mais distante. O filho fica confuso e geralmente com a sensação de que foi abandonado por um dos lados, ao mesmo tempo que vai sendo envenenado com uma imagem de quem o ‘deixou’ que muitas vezes não corresponde à realidade.
As crianças, como naquele jogo do melão que vai de um lado para o outro, são usadas, ocupando um lugar tão central quanto estranho que as deixa tristes e divididas. Passam a ser intervenientes numa relação que devia ser só a dois, muitas vezes são obrigadas a tomar partidos quando só querem continuar a ser filhos e não ter de escolher. Nestas situações pais e filhos parecem inverter os papéis e são os mais velhos que fazem queixinhas, envenenam ou tentam tirar nabos da púcara dos mais pequenos. Perdem o discernimento e, embora separados, mantêm uma relação maligna e doentia com quem passou para a equipa adversária. É difícil para uma criança habituada a viver a família como uma só equipa presenciar este corte e passar a ser a bola que passa de um para o outro. Bem pior do que não poder conviver com os pais diariamente e de aprender por vezes demasiado cedo que as relações não diram para sempre, podendo tornar-se até assustadoras, é fazer parte desta zanga entre quem mais ama, não ser respeitada na sua vontade e ficar esquecida enquanto filho para apenas ser usada como moeda de troca.